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Agora, a oficina online poesia feita de quê? possui um blog próprio http://poesiafeitadeque.blogspot.com/. Estão todos convidados: participem!

sexta-feira, setembro 26, 2008

Quinto exercício — poerma de Paulo Moreira

O poema desliza em si mesmo como um cubo de gelo numa chapa quente

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

O medo amargava o cabo da língua
em Barbacena os loucos desencarnavam
dentro de barris cheios de ácido
detalhando o podre do são
e os ossos abasteciam os mostruários
das escolas de medicina onde se aprendia
a autopsiar fugas e atropelamentos impossíveis.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Gostava dele quando eu fechava os olhos,
na língua sem palavras que trago comigo,
e era tudo um imenso domingo universal.
O calor em que o cão pendura a língua
segurava meu coração pelo rabo
na linha de resguardo,
mas não parava o tempo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Atrás de sorte e morte
as ruas fermentavam restos de urina e cerveja quente
mas o patrimônio específico dos corações inferiores
como o meu é o ressentimento,
canoão no seco, trem de doido,
pronto para me levar para Barbacena,
oco sem beiras,
para parar de ser.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Quando a gente se acostuma com esse vendaval
só se ouve o silêncio que existe em toda a solidão.
Cai o parasita, fica o tronco morto,
imagem do desconsolo.
A seleção natural, o equilíbrio das espécies:
para mim é o horror do mundo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Em nome de nada, em nome de ninguém, sem nenhum sonho,
eu como o poema e não o seu nome;
sem ternura, sem a paixão da piedade, sem saudade,
fome que nasce quando a boca está perto da comida,
o poema limpo do retorcido desejo humano,
existindo como é.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Eu sei.

(Paulo Moreira)

quarta-feira, setembro 10, 2008

Notas sobre Homeland, de Laurie Anderson (escrito por Andréa Catrópa)



We’re sailing through this transitory life

A dúvida que paira sobre a possibilidade da representação do horror por meio das palavras também se estende à maravilha – como não vulgarizar uma experiência positivamente singular e perturbadora? Até que ponto a tentativa de explicar e, de alguma forma, categorizar o vivido não é também uma forma de defesa, que nos permite diminuir e expulsar o impacto de um evento para que mais rapidamente voltemos àquilo que a vida nos exige? No entanto, a objetivação desse mesmo impacto aponta também para uma transformação confirmadora de sua fecundidade, idéia que me socorre para justificar este ato. Desde o início de Homeland, show de Laurie Anderson apresentado neste fim de semana no Sesc Pinheiros, uma impressão me incomodava, por inicialmente parecer injustificável. A sua performance me parecia verdadeiramente “clássica”. Dividida entre a entrega ao arrebatamento que o show me provocava, e a cisma em tornar racional minha impressão, busquei conforto no seguinte artefato teórico: afinal, não se fala de uma institucionalização da vanguarda? Mas o fato é que esse processo opera na diminuição do alcance dos questionamentos vanguardistas, o que, de fato, não era o caso. O minimalismo e a exatidão conviviam no palco com a riqueza de detalhes, as camadas de som e as inflexões de canto e voz totalmente precisas, o texto repentinamente oscilando do excerto jornalístico para o lirismo onírico, a reflexão sobre o particular histórico permeada pela referência ao mais íntimo, os recursos eletrônicos em precisa consonância com a realização humana. Só após o término do show, com o constrangimento de enfrentar a fila da saída e ouvir os comentários que, por menos equivocados que fossem, seriam uma banalização do presenciado, só depois de entrar no carro e me afastar dali, percebi o que me permitia atribuir à Homeland a qualidade de expressão clássica. Se ao moderno se liga a idéia de fragmentação e descontinuidade, ao clássico está implícita a noção de continuidade, e de perfeita possibilidade do artista expressar-se materialmente, ainda que do eterno e modelar o homem só possa conhecer o simulacro. O reconhecimento da precariedade humana surge na obra de Anderson como um eixo central e, por isso, longe de ser uma falha, é a condição da redenção. A serenidade absoluta com que a artista opera a confluência de diversas linguagens artísticas só confirma isso, e expressa uma compreensão do uso colaborativo de artesanato e tecnologia como uma forma transitória, particular e, portanto, absolutamente contemporânea de atribuir algum sentido à vida.


escrito por Andréa Catrópa

domingo, setembro 07, 2008

Quinto exercício - texto 3

"Na verdade, a resistência também cresceu junto com a 'má positividade' do sistema. A partir de Leopardi, de Hölderlin, de Poe, de Baudelaire, só se tem aguçado a consciência da contradição. A poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silêncio. "

(retirado do ensaio "Poesia-resistência" de Alfredo Bosi, edição de 1977)

Quinto exercício - texto 2

"A distinção da poesia moderna é que ela concentrou-se em enumerar 'os traços da tulipa'(1); mas de novo ela demonstrou seu poder de universalizar o particular, conferir um novo centro a experiências que, segundo todos os critérios clássicos, deveriam ser periféricas, porque são as experiências dos especialistas. O poeta moderno pode 'enumerar os traços da tulipa' e não só pensar que esgotou, mas esperar ter esgotado o assunto; porém, goste ou não, ele disse algo novo sobre flores e homens."

(retirado do livro A verdade da poesia de Michal Hamburger, publicado pela primeira vez em 1969; tradução de Alípio Correia de Franca Neto)

(1) Referência, citado anteriormente no texto, ao pensamento de Samuel Johnson: "o assunto do poeta consiste em examinar não o individual mas a espécie (…); ele não enumera os traços da tulipa nem descreve os diferentes tons na verdura da floresta."

Quinto exercício - texto 1

"Dentre os que estão hoje presentes neste teatro, ninguém vai se vangloriar perante seus conhecidos pelo fato que seu filho, filha ou sobrinha sabem coser bem umas botas ou preparar comida gostosa, mas se vangloriam em toda parte se eles sabem, no dia dos anos de alguém, escrever duas coluninhas de versos num álbum ou desenhar a cabeça de um gatinho.

O primeiro (coser umas botas, preparar comida) era considerado 'trabalho comum', e disto se ocupava o operário.

O segundo se chamava 'criação artística' e disto se ocupavam os eleitos, os 'intelectuais'.(…)"


(retirado do Resumo da palestra "Abaixo a arte, viva a vida!" de Vladímir Maiakóvski, 16 de janeiro de 1924; tradução de Boris Schnaiderman)

sábado, setembro 06, 2008

Oficina criativa: Faça você mesmo


O quê?
Laboratório de experimentação poética com Elena Medel e Juan Carlos Reche;
Participação dos poetas Berimba de Jesus, Carol Marossi, Andréa Catrópa e Rica P.

Quando?
Segunda-feira, dia 08 de setembro
às 19:30 h

Onde?
Casa das Rosas - Av. Paulista, 37
próximo a saída da estação Brigadeiro do metrô

quinta-feira, setembro 04, 2008

Terceiro exercício - poema de Afonso Junior Lima

Quem cortou o teu olhar ao meio?
Por que não pertencemos ao chão?
E se não fosse necessário?
Andar sem fim e sem paz
Produzir? Por que?
Arte, produtos, pessoas
há coisas vivas lá dentro
primavera em São Paulo
menos mais e mais melhor
por que sabemos tanto
que nos vale saber tudo?
Gênio saber perguntar
e se eu me perdesse vez em quando nas calçadas
e achasse luz suave nas ramagens
silencia a morna música dos peixes
adeus ao olhar sem escuta
motores de dizer sem voz
esvazie o olhar a pele conhece
não o prazer fácil de um disparo químico
mas o prazer sujo de muitas vidas humanas
Sempre é crise um mundo novo
Mas se não o conhecemos, quem seremos?

(Afonso Junior Lima)

quarta-feira, setembro 03, 2008

Segundo exercício - poema de Afonso Junior Lima

A cidade é moderna
A cidade se esconde dela
A cidade é outra e bela
Música do desassossego

(Afonso Junior Lima)

Primeiro exercício - poema de Afonso Junior Lima

Se sou fragmento
como formar imagem?
Sou a renda perdida no espaço
a anatomia na sombra e no sonho
Por que motivo me acharia?
Quero ver o mundo e estar vivo
nesse selvagem mergulho nas folhas
(Evoque o espírito da mata
a cabeça acha o corpo de barata)


(Afonso Junior Lima)

segunda-feira, setembro 01, 2008

Terceiro exercício - poema de Nestor Corso

TROVÔES PARRUDOS, CORAÇÃO OSSUDO, VENTO SOTURNO
As ruas são meus brinquedos, passo pelos becos e seus segredos
Embora um tanto DESILUDIDO, meus ossos ainda respondem
Meu estômago não rompeu laços diplomáticos
Muitos nas calçadas se escondem, muito mais DOLORIDOS
Do que eu, um metido a super bonzinho em seu apogeu
Um amante social que só enxerga os coliseus
Há uma senhora adormecida, com sua expressão e seu coração
Passando-me um telefone sem fio, sugerindo uma partida
Sua fronte apaga as luzes
É mínima sua respiração
Um xale tenta proteger seu corpo, mas há algo ENRUSTIDO...
Que sua própria expressão mostra apesar de qualquer proteção
Talvez o frio a possua
Talvez encontre um SENTIDO
Antes que a ironia de um tal destino, um cara às vezes safado
Resolva dar uma passada supostamente para lhe jogar uns trocados
Ou apenas para ser chamado de DESGRAÇADO! sim, DESTINO,
Não se faça de desavisado... DESAVISADO!

(Nestor Corso)