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quarta-feira, janeiro 17, 2007


A relação mais intensa e próxima com a questão urbana dos sem-teto
influenciou sua produção como poeta?

Poética do exílio

É sempre muito difícil tratar das “influências”, pois há muitas variáveis que entram simultaneamente no cadinho do poeta, muitas vezes modo inconsciente: leituras, modelos de desempenho formal, desejos infantis, valores ideológicos etc.
De qualquer forma, no que se refere ao interesse poético pelo espaço urbano e pelos conflitos que aí têm lugar, creio que habita meus versos já há algum tempo; pelo menos, desde Novo endereço, meu último livro, publicado em 2002. Nele, o tema do exílio emerge como questão central, presente desde a epígrafe de Simone Weil (“Muitos não sentem com toda a alma a diferença total que existe entre o aniquilamento de uma cidade e o exílio irremediável fora dela”) e retomada na hipógrafe de Martin Buber (“Todos os dias deve o homem sair do Egito”).
O exílio comparece de diferentes formas no livro, seja na figura recorrente dos mendigos, nos poemas sobre enfermidade (ver o poema inicial “Mãe”, que trata de uma internação psiquiátrica), desemprego e violência. Na maioria dos poemas, contudo, o exílio é mais social que geográfico, pois se refere à perda do direito à cidade (que pode ocorrer em qualquer lugar, inclusive na terra natal) decorrente de situações de empobrecimento e doença (loucura, alcoolismo etc.). Claro que há também poemas menos sombrios, que fogem um pouco dessa chave temática (como o poema “Contrabando”, dedicado ao Sérgio, seu marido, que foi escrito na época em que você estava grávida do Ravi, lembra?). Porém, pensando bem, mesmo nesse poema, que representa a concepção como contravenção, a idéia do exílio também está presente – como se o nascimento de um filho impusesse aos pais um certo deslocamento, a chegada a uma terra desconhecida...

Contrabando
para Sérgio Gallo

Há ciência em dividir cama
com uma mulher grávida

Nos abraçamos de lado
ela me rouba costelas
e vira um barco
que eu reboco com medo

Como saber a latitude exata
de quem navega e dorme,
dar nome à suave tripulação?

A alfândega cobra multa
por excesso de peso
Os papéis estão em ordem
Meu contrabando é inocente

Num porto bem próximo
alguém agita um lenço
em nossa direção

De qualquer maneira, voltando à sua pergunta, penso que seria mais correto dizer que foi antes a poesia que “influenciou”, se é que se pode falar assim, a minha ida a Prestes Maia e o contato com pessoas e grupos ligados à luta por moradia em São Paulo.

[imagem: A francesa Simone Weil (1909-1943), filósofa da atenção]

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