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sábado, outubro 20, 2007

Dois trechos de Elisa

Esta semana apresentamos a poeta Elisa Andrade Buzzo. Ela é membro do conselho editorial d'O Casulo, revisora e uma das responsáveis pela assessoria de imprensa do nosso jornal. Incansável, co-edita também a revista Mininas e mantém uma coluna no site Digestivo Cultural. Além de tudo, ainda possui um blog pessoal chamado Calíope. Os poemas em prosa publicados aqui estão publicados nas antologias Cuatro poetas recientes del Brasil (Buenos Aires: Black&Vermelho, 2006) e Oitavas (São Paulo: Demônio Negro, 2006), respectivamente. Como conhecedor de seu livro de estréia afirmo com bastante prazer que sua poesia tem se refinado cada vez mais nos últimos tempos. Aproveite estes dois poemas recentes que, quem sabe, constarão no próximo livro da poeta.


Trecho de e-mail a Elias

embora eu não sorrisse, se clarificava uma felicidade íntima em percorrer a rua, nas costas a mochila, na mão esquerda, apoiados contra o peito, alguns livros, na mão direita uma sacola de plástico com uma lasanha à bolonhesa congelada, já começando seu processo de derretimento; se a água escorresse, poderia refrescar as milhares de cabeças que formigavam no calor de 30º, ou mais, da cidade; o mundo num lilás macio passava através das lentes dos óculos de sol, onde me refugio entranhada na segurança do escuro fresco; tamanha era a satisfação em dobrar os quarteirões, as chinelas havaianas azuis claras massageando a calçada irregular, geografia insólita do grande rosto da Terra retorcido de feições acumuladas, imprimindo nos meus pés sua deformidade; luzidia, não ria.

(Cuatro poetas recientes del Brasil, Buenos Aires, Black&Vermelho, 2006)





Ondulações

No entortado da letra forjo a cidade em palavras mata-borrões. Mancha gráfica é a cidade que imprimo fora de cores na noite. No limite negro-azul entre ela e a madrugada, os autos não respeitam os sinais no horizonte. Cada buraco, cada reentrância oscilante – fratura no asfalto – na qual indiretamente me deito e logo depois sou alçada. Um observador externo certamente veria as gorduras das bochechas e dos peitos tremendo. Sobressai minha caligrafia tremida sobre a noite amortecida; ressaltam-se sinais, rugas, sulcos gelatinosos. Na velocidade da luz noturna, o ônibus bóia no espaço, sou parte dessa estrutura que levita. Ele sobe tão rápido que minha escrita se descompassa, as fachadas de metal das lojas tornam-se um risco cinza de grafite definitivo. Escrevo as cenas que desabrocham na noite, como as camélias brancas desprendem um aroma doce e enérgico. A tentativa de reter essa fragrância é inexpressiva. Na noite quente de primavera, grilos esperneiam – e a cidade omite os insetos nas verduras. A escuridão fresca absorve a tinta da caneta: papel-chupão. Existe um momento na madrugada paulistana em que o atrito se desfaz das ruas. E as letras escorrem tranqüilas e macias.

(Oitavas, São Paulo, Demônio Negro, 2006)

Elisa Andrade Buzzo é jornalista, co-edita a revista de literatura e artes visuais Mininas e tem coluna no site Digestivo Cultural. Seu primeiro livro de poesia é Se lá no sol (7Letras, 2005). Ainda em livro, participa das coletâneas Oitavas (Demônio Negro, 2006), Cuatro poetas recientes del Brasil (Black&Vermelho, 2006) e Caos portátil, poesía contemporánea del Brasil (El Billar de Lucrecia, 2007).

Um comentário:

Danielle Ribeiro disse...

bons sonhos ;-)

beijos