Aviso:

Agora, a oficina online poesia feita de quê? possui um blog próprio http://poesiafeitadeque.blogspot.com/. Estão todos convidados: participem!

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Lançamento do Casulo nº 10

Enfim chegamos a décima edição do jornal O Casulo. Uma dezena de edições não é pouco em se tratando de um veículo literário e, pior, focado em poesia (e, para acrescentar, poesia contemporânea). Mas estamos aqui, comemorando estes 10 números feitos sempre com muita gana com ótimos conteúdos. Desta vez, temos uma entrevista com Armando Freitas Filho; poemas de Danilo Bueno, Márcio-André e Valéria Tarelho; uma homenagem a José Paulo Paes; resenha sobre primeiro de Diniz Gonçalves Jr, um pequeno artigo crítico sobre a poesia de Paulo Ferraz, crônicas de Elisa Andrade e Andréa Catrópa e tradução de poemas de Kim Doré.
O lançamento será dia 17 de dezembro, próxima quarta-feira, às 19 horas, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. O jornal é distribuído gratuitamente com o apoio do projeto VAI da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo. Durante o lançamento haverá um bate-papo sobre o poeta José Paulo Paes, uma apresentação de Márcio-André e um sarau aberto com a participação dos poetas publicados no jornal. Sinta-se a vontade para ir, pegar seu exemplar do jornal e ler seus poemas no palco.




quarta-feira, outubro 22, 2008

Ondas Literárias


Ondas Literárias, série de 24 programas em áudio, traz entrevistas, adaptações sonoras de textos e dicas culturais de diversos poetas, como Carlito Azevedo, Frederico Barbosa, Alice Ruiz e Ademir Assunção, entre outros. Contando com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura (PAC 2007) e já veiculada no interior de São Paulo, pela Cultura FM de Amparo, a série agora estreará na Rádio Cultura Brasil. O primeiro entrevistado será o poeta e jornalista maranhense Celso Borges. Confira!

Quando: aos sábados, das 10h30 às 11h00
Onde: Rádio Cultura Brasil (1200 kHZ).O programa pode ser ouvido no mesmo horário pelo site www.redeculturabrasil.com.br

Para comentários ou informações, acesse o blog http/:ondasliterarias.blogspot.com

quarta-feira, outubro 01, 2008

Quarto exercício - poema de Afonso Junior Lima

Mulher com xale

Por entre nuvens desço até a cidade
vejo o Tietê que recebe carros, vidro e o lilás da tarde
Deus, meu Deus, que menina é essa, encolhida no chão?
Chão, chão, esse chão de pedra, fluxo e metal e Niemeyer
Por que existem homens invisíveis neste mundo em transição?
Por que comes esta gosma verde e buscas comida no lixo?
Por que um rato se move ao redor da cama de trapo onde dormes?
Por que dormes sobre papelão e tua barba é grande?
Por que tuas coxas largas estão riscadas de negro e cinza, e tu escondes a cabeça como um animal em panos?
Por que teus pés têm manchas escuras no frio?
Por que dormes sobre o degrau da escada, com tua cabeça sobre o papelão?
Por que meu olho já não te vê, eu que sou aranha da teia?
Se cada flor tem seu aroma e o mundo precisa de todas?
Onde está a poesia da liberdade
que respira, vê e dá as mãos
Se a cidade quer subir e não há tempo que não seja pouco
Se mais e mais é infinito e cada ser dorme e duvida
Quem criou o certo e o errado, o valor zero do invisível?
Eu quero sentir o calor do teu corpo
teu corpo negro com vida e correndo comigo
E se pedirem a Alma, a lógica e a letra
eu as queimarei todas no meu beijo de terra
Saúdo a terra e tudo que há em ti
Anjo da noite, coração oculto, irmão vivendo da treva
Teu coração é um tesouro silencioso.



(Afonso Junior Lima)

sexta-feira, setembro 26, 2008

Quinto exercício — poerma de Paulo Moreira

O poema desliza em si mesmo como um cubo de gelo numa chapa quente

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

O medo amargava o cabo da língua
em Barbacena os loucos desencarnavam
dentro de barris cheios de ácido
detalhando o podre do são
e os ossos abasteciam os mostruários
das escolas de medicina onde se aprendia
a autopsiar fugas e atropelamentos impossíveis.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Gostava dele quando eu fechava os olhos,
na língua sem palavras que trago comigo,
e era tudo um imenso domingo universal.
O calor em que o cão pendura a língua
segurava meu coração pelo rabo
na linha de resguardo,
mas não parava o tempo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Atrás de sorte e morte
as ruas fermentavam restos de urina e cerveja quente
mas o patrimônio específico dos corações inferiores
como o meu é o ressentimento,
canoão no seco, trem de doido,
pronto para me levar para Barbacena,
oco sem beiras,
para parar de ser.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Quando a gente se acostuma com esse vendaval
só se ouve o silêncio que existe em toda a solidão.
Cai o parasita, fica o tronco morto,
imagem do desconsolo.
A seleção natural, o equilíbrio das espécies:
para mim é o horror do mundo.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Em nome de nada, em nome de ninguém, sem nenhum sonho,
eu como o poema e não o seu nome;
sem ternura, sem a paixão da piedade, sem saudade,
fome que nasce quando a boca está perto da comida,
o poema limpo do retorcido desejo humano,
existindo como é.

O poema desliza em si mesmo
como um cubo de gelo
numa chapa quente.

Eu sei.

(Paulo Moreira)

quarta-feira, setembro 10, 2008

Notas sobre Homeland, de Laurie Anderson (escrito por Andréa Catrópa)



We’re sailing through this transitory life

A dúvida que paira sobre a possibilidade da representação do horror por meio das palavras também se estende à maravilha – como não vulgarizar uma experiência positivamente singular e perturbadora? Até que ponto a tentativa de explicar e, de alguma forma, categorizar o vivido não é também uma forma de defesa, que nos permite diminuir e expulsar o impacto de um evento para que mais rapidamente voltemos àquilo que a vida nos exige? No entanto, a objetivação desse mesmo impacto aponta também para uma transformação confirmadora de sua fecundidade, idéia que me socorre para justificar este ato. Desde o início de Homeland, show de Laurie Anderson apresentado neste fim de semana no Sesc Pinheiros, uma impressão me incomodava, por inicialmente parecer injustificável. A sua performance me parecia verdadeiramente “clássica”. Dividida entre a entrega ao arrebatamento que o show me provocava, e a cisma em tornar racional minha impressão, busquei conforto no seguinte artefato teórico: afinal, não se fala de uma institucionalização da vanguarda? Mas o fato é que esse processo opera na diminuição do alcance dos questionamentos vanguardistas, o que, de fato, não era o caso. O minimalismo e a exatidão conviviam no palco com a riqueza de detalhes, as camadas de som e as inflexões de canto e voz totalmente precisas, o texto repentinamente oscilando do excerto jornalístico para o lirismo onírico, a reflexão sobre o particular histórico permeada pela referência ao mais íntimo, os recursos eletrônicos em precisa consonância com a realização humana. Só após o término do show, com o constrangimento de enfrentar a fila da saída e ouvir os comentários que, por menos equivocados que fossem, seriam uma banalização do presenciado, só depois de entrar no carro e me afastar dali, percebi o que me permitia atribuir à Homeland a qualidade de expressão clássica. Se ao moderno se liga a idéia de fragmentação e descontinuidade, ao clássico está implícita a noção de continuidade, e de perfeita possibilidade do artista expressar-se materialmente, ainda que do eterno e modelar o homem só possa conhecer o simulacro. O reconhecimento da precariedade humana surge na obra de Anderson como um eixo central e, por isso, longe de ser uma falha, é a condição da redenção. A serenidade absoluta com que a artista opera a confluência de diversas linguagens artísticas só confirma isso, e expressa uma compreensão do uso colaborativo de artesanato e tecnologia como uma forma transitória, particular e, portanto, absolutamente contemporânea de atribuir algum sentido à vida.


escrito por Andréa Catrópa

domingo, setembro 07, 2008

Quinto exercício - texto 3

"Na verdade, a resistência também cresceu junto com a 'má positividade' do sistema. A partir de Leopardi, de Hölderlin, de Poe, de Baudelaire, só se tem aguçado a consciência da contradição. A poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discursos correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silêncio. "

(retirado do ensaio "Poesia-resistência" de Alfredo Bosi, edição de 1977)

Quinto exercício - texto 2

"A distinção da poesia moderna é que ela concentrou-se em enumerar 'os traços da tulipa'(1); mas de novo ela demonstrou seu poder de universalizar o particular, conferir um novo centro a experiências que, segundo todos os critérios clássicos, deveriam ser periféricas, porque são as experiências dos especialistas. O poeta moderno pode 'enumerar os traços da tulipa' e não só pensar que esgotou, mas esperar ter esgotado o assunto; porém, goste ou não, ele disse algo novo sobre flores e homens."

(retirado do livro A verdade da poesia de Michal Hamburger, publicado pela primeira vez em 1969; tradução de Alípio Correia de Franca Neto)

(1) Referência, citado anteriormente no texto, ao pensamento de Samuel Johnson: "o assunto do poeta consiste em examinar não o individual mas a espécie (…); ele não enumera os traços da tulipa nem descreve os diferentes tons na verdura da floresta."

Quinto exercício - texto 1

"Dentre os que estão hoje presentes neste teatro, ninguém vai se vangloriar perante seus conhecidos pelo fato que seu filho, filha ou sobrinha sabem coser bem umas botas ou preparar comida gostosa, mas se vangloriam em toda parte se eles sabem, no dia dos anos de alguém, escrever duas coluninhas de versos num álbum ou desenhar a cabeça de um gatinho.

O primeiro (coser umas botas, preparar comida) era considerado 'trabalho comum', e disto se ocupava o operário.

O segundo se chamava 'criação artística' e disto se ocupavam os eleitos, os 'intelectuais'.(…)"


(retirado do Resumo da palestra "Abaixo a arte, viva a vida!" de Vladímir Maiakóvski, 16 de janeiro de 1924; tradução de Boris Schnaiderman)

sábado, setembro 06, 2008

Oficina criativa: Faça você mesmo


O quê?
Laboratório de experimentação poética com Elena Medel e Juan Carlos Reche;
Participação dos poetas Berimba de Jesus, Carol Marossi, Andréa Catrópa e Rica P.

Quando?
Segunda-feira, dia 08 de setembro
às 19:30 h

Onde?
Casa das Rosas - Av. Paulista, 37
próximo a saída da estação Brigadeiro do metrô

quinta-feira, setembro 04, 2008

Terceiro exercício - poema de Afonso Junior Lima

Quem cortou o teu olhar ao meio?
Por que não pertencemos ao chão?
E se não fosse necessário?
Andar sem fim e sem paz
Produzir? Por que?
Arte, produtos, pessoas
há coisas vivas lá dentro
primavera em São Paulo
menos mais e mais melhor
por que sabemos tanto
que nos vale saber tudo?
Gênio saber perguntar
e se eu me perdesse vez em quando nas calçadas
e achasse luz suave nas ramagens
silencia a morna música dos peixes
adeus ao olhar sem escuta
motores de dizer sem voz
esvazie o olhar a pele conhece
não o prazer fácil de um disparo químico
mas o prazer sujo de muitas vidas humanas
Sempre é crise um mundo novo
Mas se não o conhecemos, quem seremos?

(Afonso Junior Lima)

quarta-feira, setembro 03, 2008

Segundo exercício - poema de Afonso Junior Lima

A cidade é moderna
A cidade se esconde dela
A cidade é outra e bela
Música do desassossego

(Afonso Junior Lima)

Primeiro exercício - poema de Afonso Junior Lima

Se sou fragmento
como formar imagem?
Sou a renda perdida no espaço
a anatomia na sombra e no sonho
Por que motivo me acharia?
Quero ver o mundo e estar vivo
nesse selvagem mergulho nas folhas
(Evoque o espírito da mata
a cabeça acha o corpo de barata)


(Afonso Junior Lima)

segunda-feira, setembro 01, 2008

Terceiro exercício - poema de Nestor Corso

TROVÔES PARRUDOS, CORAÇÃO OSSUDO, VENTO SOTURNO
As ruas são meus brinquedos, passo pelos becos e seus segredos
Embora um tanto DESILUDIDO, meus ossos ainda respondem
Meu estômago não rompeu laços diplomáticos
Muitos nas calçadas se escondem, muito mais DOLORIDOS
Do que eu, um metido a super bonzinho em seu apogeu
Um amante social que só enxerga os coliseus
Há uma senhora adormecida, com sua expressão e seu coração
Passando-me um telefone sem fio, sugerindo uma partida
Sua fronte apaga as luzes
É mínima sua respiração
Um xale tenta proteger seu corpo, mas há algo ENRUSTIDO...
Que sua própria expressão mostra apesar de qualquer proteção
Talvez o frio a possua
Talvez encontre um SENTIDO
Antes que a ironia de um tal destino, um cara às vezes safado
Resolva dar uma passada supostamente para lhe jogar uns trocados
Ou apenas para ser chamado de DESGRAÇADO! sim, DESTINO,
Não se faça de desavisado... DESAVISADO!

(Nestor Corso)

domingo, agosto 24, 2008

Quarto exercício - escultura 3

Franz Weissmann, Grande quadrado vermelho, 1996
(instalação metálica, dimensões desconhecidas, na Avenida República do Paraguai, Rio de Janeiro).

Quarto exercício - escultura 2



Raoul Hausmann, Mechanischer Kopf (Der Geist unserer Zeit)*, 1920
(manequim para penteados com carteira de couro de crocodilo, régua, mecanismo de relógio de pulso, pedaços de bronze de uma câmera velha, cilindro de máquina de escrever, fita métrica, dedal, pregos e parafusos, 32,5 x 21 x 20 cm).
Acervo do Centre Pompidou, Musée national d'art moderne-Centre de création industrielle, Paris, adquirido em 1974.


* Cabeça mecânica (O espírito de nosso tempo)

Quarto exercício - escultura 1

Petrus Verdier, Mulher com xale, 1908
(madeira entalhada e marfim esculpido, 24 x 16,5 x 24 cm, assinada).
Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, adquirido em 1913.

domingo, agosto 17, 2008

Terceiro exercício - vídeo 3



(Tadeu Jungle, corpo, corpo, corpo, 2005)

Terceiro exercício - poema de Nana M.

há um desejo
escondido em algum canto do meu corpo,
desperdiçado em lençóis e lágrimas,
libertado num prazer solitário.

ele, causador da minha fome,
movido por esse desejo que sinto,
alimenta ilusões e traz a lembrança
de uma confusão de mãos, bocas, línguas e medos,
durante minutos que pareciam eternos.

os corpos unidos eram a única harmonia.

e ele desaparece,
deixando a saudade,
uma tristeza sufocante,
um vazio íntimo,
e o desejo desperto
que jamais será
saciado.

(Nana M.)

Terceiro exercício - vídeo 2



(George Maciunas, Fluxfilm 08: 1000 Frames, 1966)

Segundo exercício - poema de Nana M.

enquanto números correm freneticamente no relógio
a existência inevitavelmente caminha em direção ao nada

ser efêmero

afia-se a lâmina fria
que penetrará suavemente na carne ainda quente
libertando
escravizando
punindo
curando
matando
o frágil
alimentando
o forte

o desolado
entorpece-se para calar
o tédio
a vida
a angústia existencial
e o vazio de ser

humano

(Nana M.)

Terceiro exercício - poema de Andréa Catrópa

são os números que nos governam
ao contrário
do que pensamos
em seu universo
não há
ordenação
possível
só dez
algarismos dançando
inconseqüentes
fixando datas
destinos
contando
os segundos
que restam
somando
os idos
decrescendo
as faltas
gerenciando
empresas
ampliando
escolas
extrapolando metas ilhando seres trancando as grades por vinte e quatro meses fechando a cota de aves civis e soldados para o abate

(Andréa Catrópa)

Terceiro exercício - vídeo 1



(Luis Buñel, Un Chien Andalou, 1929)

Terceiro exercício - poema de Edgar Belial

Meu olho

De minhas pupilas em midríase,
Sangue e lágrimas, escorreram.
Estancaram com uma gaze;
(Estou deitado na fria mesa.)

Meu olho esquerdo foi cortado
Cirurgicamente ao meio,
Com um instrumento afiado.
(Como uma suculenta fruta tropical.)

Eu sei que, nesta sala que
Ainda vejo com o direito;
Sou a aula de Nicolaes Tulp.

Pílulas, álcool, drogas, overdose.
Resultado de uma noite de abusos;
Sou o cadáver vivo da necropsia.


(Edgar Belial)

Terceiro exercício - poema de Eric Philip Sukys

Como num diálogo com as próprias
Profundezas de um pesadelo escuro
Em contraste com as mais inóspitas
Pálidas faces que causam distúrbio

Vejo algo de que os vermes
Reunidos em massa para a desgraça
Simplesmente se servem

A fragilidade alheia das coisas
Desbota como num rolo de filme
Usado e jogado fora
Uma escuridão transtorna
A própria noite como se fosse nada

A besta espreita entediada mas morta de ciúmes


(Eric Philip Sukys)

domingo, agosto 10, 2008

Segundo exercício - música 3




(Arrigo Barnabé, "Pterodactilo Contemporaneus", 1992)

Segundo exercício - poema de Eric Philip Sukys

Uma frenética melodia
Chega para mim como uma visita
Um piano tentando me dizer coisas indistintas
Gritando, sussurrando, alcançando memórias perdidas

Num primeiro momento não admito, mas ela faz certo sentido
Quando se equipara à confusão que vem me distraindo então

Há um fantasma sentado aqui ao meu lado numa sala
E para onde eu vou evoca um labirinto íntimo
Traz frustrações de novo para dentro
E parece sem tempo

Traz consigo tons distantes
Um silêncio um tanto barulhento
Desenha uma sintonia desconhecida
Mas não tão estranha quando penso no desejo
Ou no grande apego que não admito que tenho
Sinto-me um prisioneiro dessa visita
Imagem do que já fui ou fiz um dia
Em amores hesitantes

Então como numa oitava inesperada
Viro o rosto quando quando vejo que foi engodo
E um ideal descarado vê de perto uma estátua grega
Então supero e sigo em frente numa estrada não sinalizada

(Eric Philip Sukys)

Segundo exercício - poema de Victor Del Franco

(Victor Del Franco)

Segundo exercício - música 2




(Jards Macalé, "Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata", 1972)

Segundo exercício - música 1




(PJ Harvey "Is This Desire?", 1998)

segunda-feira, agosto 04, 2008

Tem início hoje o primeiro exercício para nossa oficina virtual Poesia feita de quê?, que tem como proposta a realização de poemas a partir de estímulos determinados. Nesta segunda, escolhemos três trabalhos fotográficos (posts abaixo) como possíveis desencadeadores do processo criativo. A idéia é que possamos não apenas produzir, mas comentar os próprios textos e os textos alheios. Para isso, basta se manifestar na seção destinada aos comentários. Não há prazo para postar, cada um pode produzir seu(s) texto(s) quando desejar. A utilização das imagens também fica a critério de cada um. É possível pensar em um poema a partir do conjunto, ou de cada uma em separado.

Na próxima segunda, traremos ao blog novos estímulos. Até lá, mãos à obra!


Primeiro exercício - Imagem 1

(Erwin Olaf, Le dernier cri, 2006)

Primeiro exercício - poema de Eric Philip Sukys

Por trás de olhares misteriosos

Duas figuras femininas

Emaranhadas e entrelaçadas

Submetidas à paixão e ao desejo

Assim como o desespero que

Impera dentro de suas almas vazias


Há um lamento, uma compulsão

Seus rostos desfigurados por

Um excesso de atrativos que

Deveriam impulsionar a atração

Pelo menos assim lhes foi dito


Quem sabe mutuamente elas

Desejam algo que simplesmente

Não encontram por si só

Como se abrissem as janelas

Numa abstração irreconhecível

Para nós

(Eric Philip Sukys)

Primeiro exercício - poema de Renato Mazzini

último grito
em cada olho uma cidade em chamas, fogo azul
escuro. desde que a mão aprendeu um gesto de
adeus e em cada olho uma cidade em chamas,
fogo. azul escuro, ri-se. transpor cada portão com
o mesmo sorriso macerado e outra vez de encontro
ao mesmo gesto seu: movimento deflagrado pelas
laterais, simulacro de asas de gel, batendo à
rapidez das piscadelas. em cada asa, uma cidade
incendiada, fogo azul escuro, talhos inacabados de
gilete no céu, uma garota escandinava vizinha da dor, e em
cada olho uma cidade no meio das labaredas.
retângulos de nuvens destacados no alto, cauterizados
em fogo escuro, azul. a linha de espera longa,
assemelhada na vertigem de reencontrar o mesmo
rosto no metrô e temê-lo, os olhos, suas chamas
azuis, repetindo-se.

(Renato Mazzini)

Primeiro exercício - Imagem 2

(Max Waldman, Dionysus in 69, 1969)

Primeiro exercício - poema de Nantes de Orange

Esboço sobre um sonho



Sou invisível em meus sonhos.

Não faço parte da cena,

É apenas meu sonho.



Sob aquela silenciosa sinfonia;

Braços, mãos, sangue.

Gestos, movimento, sensualidade.

Dançavam sem ritmo, sem som.



Assisto à cena como um filme.

Sou a única platéia,

Mas não estou na cena.



Dentre as bacantes vejo;

Vestido preto, semblante andrógeno.

Estranha figura que fitava as moças.

Agora olha apenas pra mim.



Sou visível, não é um sonho.

Não é um sonho, faço parte da peça.



(Nantes de Orange)

Primeiro exercício - poema de André Fernandes

paisagem com figura



eis
a mulher no retrato
desdobrada em outras
de seios nus

(que nudez é essa?
do que se está falando senão de corpos?)

apesar do esforço do fotógrafo
apesar de
escorre o rímel que
dá forma à mulher

(sem nudez...
...)


mulher
como homem
doma cavalo

fotografa homens
com enxadas

(uma espécie de tesão: ver o sofrimento alheio...
na classe média intelectualizada)

a mulher está sempre
como peixe
ou referência cruzada

como quem remove o rímel
ou a idéia vaga

(nua)

os seios transpõem a tela
e descansam em desejos
famélicos de hiperrealidade

(André Fernandes)

Primeiro exercício - Imagem 3


(Man Ray, La marquise Casati, 1935)

Primeiro Exercício - poema de Andréa Catrópa

é madrugada e agora sou a senhora dos tempos, imperatriz desta sala, sem outra voz ou espelho da madrasta, a lebre que ergue as antenas para o sono em uníssono e capta os sonhos, colhendo deles a fruta, ameixa roxa que ao raiar do sol me envenena e tinge as pálpebras de púrpura

(Andréa Catrópa)

sexta-feira, agosto 01, 2008

Imagens de Rogério Barbosa




Um poema de Danilo Bueno

Em pleno lançamento da nona edição impressa d'O Casulo, publicamos aqui no blog um poeta que contribuirá na décima edição, Danilo Bueno, como preparativo e aviso de que o jornal está a todo vapor:

guia de viagem — gravuras



exceto o corpo, piscina natural de dias quebrados, claustro e observação simultânea (clausura é somente ar, gotas azuladas) — cardo repele borboleta — pensou no ramo de azevinho (delicado entre amarelo verde vermelho) e na biblioteca de conchas, o coro do mar. talvez nenhuma imagem. à espera do hoxton car service, chaminés variadas. nenhuma delas uma presença real; nenhuma delas papoulas ao sol



Danilo Bueno nasceu em Mauá (SP), é poeta e mestrando em Literatura Portuguesa pela USP. Publicou os livros de poesia Fotografias (Alpharrabio Edições, 2001) e Crivo (Alpharrabio Edições e Fundo de Cultura do Município de Mauá, 2004) e o recente Corpo sucessivo (Editora Oficina Raquel, 2008).

"A imagem sem centro" - Textos e desenhos de Francisco dos Santos

a reinvenção do mesmo

gasta a
imagem,
com ‘su
lengua’
de faca
escava
na face
cava
sua
máscara —
com sua
língua
de faca —
sua
morte
escava



























Poema sobre uma fotografia

Assentou-se
entre livros,
os clássicos, os
contemporâneos,
livros
de toda sorte,
um e outro
casualmente
arranjado,
no colo um gato
rajado,
gato maltês,
para ser
fotografado
como um homem
de sabedoria,
mas
alguma coisa
no olho do gato o
denunciava:
não era Cortázar


a imagem sem centro
aSylviaPlath
a imagem
como ausência
sem centro,
sem voz,
sem cor,
sem um gordo cadáver
fala em solilóquio, faca
cega
que não corta mais seus signos
oh a irmã com os olhos cerzidos
entre as roseiras...
a doce irmã da infância...
quem de vós, em sã consciêcia,
desamordaçaria
Elfrangor?



Francisco dos Santos, 1967, Mato Grosso do Sul. Publicou Topografia de um homem urbano (1986/2001, desenhos), Diálogo com Goya (2000/2002, pintura), A reinvenção do mesmo (2002/2003, poesia), entre outros títulos.

quinta-feira, julho 31, 2008

Um poema de Robert Desnos (na tradução de Elisa Andrade Buzzo)

E para aquecermos o blog durante o pré-lançamento da edição 9, um poema de Robert Desnos traduzido por Elisa Andrade Buzzo. Em breve mais novidades (vocês, leitores, poderão interagir um pouco mais conosco).


Esse coração que odiava a guerra...

Esse coração que odiava a guerra e ainda assim bate pelo combate e a
.............batalha!
Esse coração que só batia no ritmo das marés, das estações,
.............naquele ritmo das horas do dia e da noite,
Então ele se dilata e envia às veias um sangue fervendo de
.............salitre e de raiva
E que conduz tal ruído no cérebro, que os ouvidos zunem
E não é possível que esse ruído não se alastre na cidade e
.............no campo
Como o som de um sino chamando ao motim e ao combate.
Escutem, ecos o trazem de volta, e eu ouço novamente o ruído.
Mas não, é o ruído de outros corações, de milhões de outros corações
.............batendo como o meu através da França.
Eles todos batem no mesmo ritmo em vista do mesmo chamado,
Seu ruído é aquele do mar no assalto às falésias
E todo este sangue leva nos milhões de cérebros uma mesma palavra
.............de ordem:
Revolta contra Hitler e morte aos seus partidários!
No entanto, esse coração odiava a guerra e batia no ritmo das estações,
Mas uma única palavra: Liberdade foi suficiente para despertar as antigas cóleras
E milhões de franceses se preparam na sombra para a obrigação que
.............o amanhecer próximo os imporá
Pois esses corações que odiavam a guerra batiam pela liberdade
.............bem no ritmo das estações e das marés, do dia e da noite.






Ce coeur qui haïssait la guerre...

Ce coeur qui haïssait la guerre voilà qu'il bat pour le combat et la
......bataille!
Ce coeur qui ne battait qu'au rythme des marées, à celui des saisons, à
......celui des heures du jour et de la nuit,
Voilà qu'il se gonfle et qu'il envoie dans les veines un sang brûlant de
......salpêtre et de haine
Et qu'il mène un tel bruit dans la cervelle que les oreilles en sifflent
Et qu'il n'est pas possible que ce bruit ne se répande pas dans la ville et
......la campagne
Comme le son d'une cloche appelant à l'émeute et au combat.
Écoutez, je l'entends qui me revient renvoyé par les échos.
Mais non, c'est le bruit d'autres coeurs, de millions d'autres coeurs
......battant comme le mien à travers la France.
Ils battent au même rythme pour la même besogne tous ces coeurs,
Leur bruit est celui de la mer à l'assaut des falaises
Et tout ce sang porte dans des millions de cervelles un même mot
......d'ordre:
Révolte conte Hitler et mort à ses partisans!
Pourtant ce coeur haïssait la guerre et battait au rythme des saisons,
Mais un seul mot : Liberté a suffi à réveiller les vieilles colères
Et des millions de Français se préparent dans l'ombre à la besogne que
......l'aube proche leur imposera.
Car ces coeurs qui haïssaient la guerre battaient pour la liberté au rythme
......même des saisons et des marrées, du jour et de la nuit.


Com o pseudônimo Pierre Andier, este poema de Robert Desnos foi publicado em 14 de julho de 1943 na revista L’Honneur des poètes. Confira na edição impressa, número 9, do jornal O Casulo a tradução de outro poema de Desnos, além de uma breve biografia em português.

Lançamento - O Casulo 9

Capa de Victor Del Franco - Imagem de Rogério Barbosa


Nesta edição, confira a seção Diversas Vozes, além de poemas de Alckmar Santos, Érica Zíngano, Greta Benitez, ilustrações de Rogério Barbosa, entrevista com o poeta e editor Joan Navarro (com traduções de seus poemas por Fábio Aristimunho Vargas) e tradução de poema de Robert Desnos por Elisa Andrade Buzzo.


Lançamento da edição 9 do jornal de literatura contemporânea O Casulo na FLAP! 2008
Dia 1º de agosto, na Biblioteca Temática de Poesia Alceu Amoros Lima
Rua Henrique Schaumann, 777 - Pinheiros - São Paulo
A partir das 19h
Distribuição gratuita e leituras de poesia

terça-feira, julho 22, 2008

partido alto


Andréa Catrópa

I


Acordei pensando na “má consciência” que parece, muitas vezes, atormentar o meio literário do qual participo, direta ou indiretamente. Ia acrescentar ao verbo acordar o advérbio inexplicavelmente, mas logo percebi a falsidade retórica desse uso. Provavelmente eu possa rastrear as causas dessa reflexão matinal, que me faz adiar o início de uma rotina e que provavelmente atrasará minhas tarefas programadas para serem feitas hoje. Acrescento aqui estes detalhes triviais, porque são bastante elucidativos da minha condição privilegiada: trabalho em casa, em uma situação precária por ser temporária, mas ainda sim privilegiada mesmo quando consideramos apenas o fator do tempo que a maioria das pessoas perde em ônibus e trens lotados para conseguir chegar ao trabalho. Poder acordar de pijama, pegar um café na cozinha, passar pela área de serviço e adentrar o quartinho que é meu ambiente profissional permite que, mesmo quando eu pegue no batente às 8 horas, eu possa me deitar tarde. Por isso ontem, cansada, e detestando telejornais (o mundo cão convertido em pílulas), achei que não seria grave adiar meu sono para me inteirar de um resumo das notícias do dia. Aliás, para ser mais exata, o anúncio de um assunto específico me atraía, o canto da musa para este texto desengonçado: a arrecadação de impostos no Brasil bate seu recorde neste primeiro semestre. Talvez a diminuição da sonegação estivesse por trás disso e fosse algo a ser comemorado. Como não sou economista, porém, penso como leiga. E dada a ficções, estranhamente construí um pequeno roteirinho em minha mente, que juntava as sucessivas ações desastradas da nossa polícia contra a população, intercaladas pelas imagens (close nos sorrisos e olhares altivos) de Cacciola e Dantas.

Desembaraçada da censura, minha imaginação se tornou mais ousada, e criou um curta-metragem onírico mais interessante: um casal de alcoólatras idosos, moradores de uma favela, polemizava com policiais após presenciarem uma troca de tiros em frente à sua casa. A mulher, depois, aparecia exageradamente maquiada, vestida como uma diva e dizendo coisas muito pertinentes sobre nossa realidade social. Para não cansar os leitores, concluo com a imagem mais marcante do sonho: a cabeça dessa mulher rodando em uma máquina de assar frangos.

Desperta e com meu superego ativo e burocrático, tento dar conta racionalmente do que talvez já esteja para o leitor por demais claro. E, voltando à questão literária, procuro tornar menos desencontradas minhas divagações. A idéia da identidade nacional sempre esteve por trás da nossa literatura. Ao considerarmos os esforços de Anchieta para tentar sistematizar e facilitar o conhecimento da língua dos indígenas ou ao atentarmos para as descrições produzidas pelos viajantes europeus durante a colonização perceberemos como o anseio de identificação e construção do que é o Brasil sempre esteve no âmago de nossas Letras. Mesmo quando existiu a recusa à especificidade do nacional, esta esteve negativamente marcada por esse traço, haja vista, por exemplo, a recepção crítica da poesia concreta que a considera como um esforço para a superação dessa especificidade rumo à internacionalização. Idéias como juventude, progresso, mestiçagem, superioridade, euforia talvez tenham desembocado em algumas concepções-chave sobre o país: a irreverência e o caráter tolerante de nosso povo, que têm como seu negativo a falta de seriedade e a passividade.

Esses conceitos, tanto negativos quanto positivos, marcam nossa produção artística e intelectual de tal forma que, mesmo quando não estamos tratando dessas questões, elas estão lá, esperando de tocaia para atacarem. E quando me referi à “má consciência” de nossos escritores e críticos (me restrinjo ao meio literário por falta de conhecimento de outras áreas), estava considerando isto: se a falta de seriedade e a passividade estão sempre espreitando como negativos de nossas qualidades, cabe à elite intelectual estar sempre alerta, tentando compensar essas falhas com o siso e a combatividade. Mas me parece que nossas investidas apaixonadas por uma literatura consciente e crítica de nossas mazelas sociais sejam, hoje, quixotescas: como não simpatizar verdadeiramente com elas, quando sabemos que os monstros atacados são, na verdade, moinhos de vento?

II

Retomo aqui a expressão elite intelectual para explicar o que para mim significa isso. Talvez eu esteja enganada, mas me parece que temos uma elite intelectual e uma elite financeira, sendo que nem sempre os membros de uma fazem parte da outra. Por algumas relações sociais inferidas por todos, a cultura e a erudição podem ajudar um cidadão a se virar economicamente, mesmo que mal. Da mesma forma, privilégios econômicos facilitam o acesso à educação e à cultura. Mas nem sempre, como é de se imaginar, as coisas acontecem assim. A nossa elite intelectual, principalmente na área das Letras, não encontra um mercado tão receptivo aos seus saberes específicos, do mesmo modo que a maior parte da nossa elite econômica não está tão interessada em se “ilustrar” (ao menos, em um sentido restrito e humanista, que não considera a lista das lojas mais descoladas da Rua Oscar Freire como “ilustração”).

Daí que sobre para muitos homens e mulheres de Letras o asilo estatal. Nossos saberes e práticas que não encontram boa acolhida mercadológica ou respaldo social mais amplo sobram como “fortalecimento da identidade nacional”, como resquício de algo que já esteve na ordem do dia em diversos momentos históricos (seja no Segundo Reinado, quando ganha força o Romantismo, ou na Semana de 22, quando se configuram literariamente questões como a urbanização e a tentativa de superação da dependência cultural). A democratização, que significou também o sucateamento do ensino, nos mostra suas conseqüências. Muitos jovens – mesmo de classes sociais privilegiadas – foram, na melhor das hipóteses, educados como mão-de-obra barata. Se um contingente enorme da população não sabe redigir coerentemente suas idéias e tampouco compreende textos simples, imagine os mais abstratos e intrincados. Isto não significa que essas pessoas não possam refletir sobre sua condição social e exercer sua cidadania, simplesmente aponta que o ponto de comunicação e expressão desses indivíduos não é literário. Sob essa ótica, os muitos monstros que figuram em nossa literatura são apenas as pás dos moinhos, e o “buraco é mais embaixo”.

Exercer o papel de poeta, contista ou crítico é apenas uma de nossas facetas como cidadãos, que não nos exime de atuarmos em outras esferas. E com isso, estou próxima de concluir minhas deambulações. A literatura brasileira, sendo parte fundamental de nossa formação cultural e estabelecendo elos entre diferentes pontos de vista, gerações, nacionalidades, credos e, afirmando assim, sua importância histórica, não se restringe a isso. Da mesma forma que como poeta ou pesquisadora brasileira talvez não seja eficaz canalizar todas as minhas preocupações políticas em meus textos. Sou uma dependente do Estado – minha educação formal em Literatura, o dinheiro que recebo atualmente – tudo vem da aplicação estatal de recursos em bolsas de pesquisa e prêmios de incentivo à cultura. Estou, portanto, de rabo preso? O dinheirinho que recebo é uma esmola benevolentemente concedida para eu me calar? E mesmo que não me cale, como agir de forma eficaz e adequada, para que a poeta e estudante seja também uma cidadã à altura de "sua literatura"?

III

Meu pessimismo não se confunde com niilismo. E por isso mesmo faço uma tentativa, a despeito de meu caráter, de ser pragmática. Ao lado do combate intelectual, nós que temos a pena (ou a caneta, ou o teclado), não precisamos pegar em armas. Está fora de moda e vai contra todos os estereótipos que rondam nosso sensível caráter. Para sermos mais efetivos em nossa luta, o primeiro passo é zelar por nosso dinheiro, vencer o preconceito “vapor barato” (é lógico que não precisamos de muito dinheiro, senão estaríamos atuando em outra área). Com tudo o que arrecada, o governo tem por obrigação investir em Educação e Cultura (e, portanto, nosso rabo está solto), e zelar decentemente pela Saúde e pela Justiça.

Sobre o rapaz recentemente vitimado pela polícia em um seqüestro relâmpago: qual o sentido de se perseguir e atirar num carro a esmo, se não é para “proteger o cidadão”? Se os policiais não estavam ali para proteger os cidadãos honestos (ou seja, pagadores de impostos), qual a sua função? Não seria melhor que eles ficassem sentados tomando água de coco, simplesmente observando a ação de criminosos? Talvez assim, o referido rapaz estivesse vivo, apesar de ter a conta bancária depauperada. Percebam que para desviar da demagogia, não preciso nem sair do meu lugar social e comentar os descalabros que a polícia (e, por conseqüência, o Estado) comete nos bairros de periferia. Em outra esfera (talvez num outro país dentro do próprio Brasil), encontramos as civilizadíssimas discussões sobre o tratamento adequado aos presos de colarinho branco. E que fique subentendido que minha intenção não é sugerir um nivelamento por baixo, mas justamente o contrário.

Talvez eu tenha sofrido algumas das conseqüências daquele empobrecimento do ensino a que me referi anteriormente, já que a coesão não é um ponto forte dos meus textos. Mas ficam aqui algumas linhas despontando de raciocínios mal cosidos, que talvez me assombrem desde a adolescência. As dúvidas sobre a pertinência de se trabalhar com literatura no Brasil, a sensação de impotência diante das indecências financeiras cometidas aqui e cinicamente noticiadas como coisa feia pero corriqueira, o complexo de inferioridade compensado pela mania de grandeza que provavelmente assola todo escritor e que nos faz acreditar no poder mágico de umas mal traçadas linhas. E a magia, dizem, é o último recurso do desesperado.

P.S. Se você chegou até o fim do texto, faz parte do grupo que defino como elite intelectual. Se não leu tudo porque achou chato, pobremente desenvolvido ou ficou simplesmente indignado com algumas de minhas afirmações, idem.

segunda-feira, junho 23, 2008

ANDRÉA CATRÓPA

Mergulho às avessas, de Andréa Catrópa: o lançamento será na Casa das Rosas, sendo parte do Recital Caixa Preta (ver post abaixo). A leitura da poeta contará com a participação de Rafael Agra e Andrea Pedro. Será distribuída uma plaquete com poemas inéditos, Edén 13, para aqueles que comprarem o livro durante o lançamento.

mergulho às avessas

o vir à tona de mãos dadas

com o medo


corte

súbito do azul e das imagens onduladas

contato com as superfícies


a dureza das pedras a dureza

do sal o desconforto

de saber-se a salvo





Andréa Catrópa nasceu em São Paulo, em 1974. É mestre em Teoria Literária, co-editora do jornal de literatura O Casulo e atualmente coordena a série de programas de rádio sobre poesia contemporânea Ondas Literárias

http://ondasliterarias.blogspot.com

RECITAL DA CAIXA PRETA

A coleção de poesia Caixa Preta, organizada por Claudio Daniel para a Lumme Editor, tem três novos títulos publicados: Pincel de Kyoto, de Wilson Bueno, Mergulho às avessas, de Andréa Catrópa, e Poemas diversos, de Elson Fróes. O lançamento dos livros será no dia 24 de junho, a partir das 19 horas, na Casa das Rosas, localizada na Avenida Paulista, n. 37, em São Paulo. Na ocasião, acontecerá também o Recital da Caixa Preta, com a presença dos autores e da poeta Virna Teixeira, que lançará em breve o livro Trânsitos, pela mesma coleção. A proposta da série, iniciada com dois livros de Horácio Costa, publicados em 2007 – Paulistanas e Homoeróticas – é apresentar ao leitor textos inventivos, inquietos, de autores que "realizam uma pesquisa poética imaginativa e com artesanato de linguagem", segundo o texto de frontispício dos livros. Os livros da Lumme Editor podem ser adquiridos em livrarias ou ainda pelo e-mail vendas@lummeeditor.com



O quê?
Recital Caixa Preta e lançamento dos livros:
Pincel de Kyoto, de Wilson Bueno
Poemas Diversos, de Élson Fróes
Mergulho às avessas, de Andréa Catrópa

Quando?
Terça, 24 de junho - 19:00 h

Onde?
Casa das Rosas - Av. Paulista, 37
próximo a saída da estação Brigadeiro do metrô

terça-feira, junho 17, 2008

DRIKA NERY


Peixe Cibernético


........E-mail

..........................onda sísmica

..........joga-me na rede

fisga-me sem isca

..circunda

..............................a borda do aquário

..........................................transforma-me em

.............................................descabimento

.............................com um simples aceno

.................e agora já não caibo

..........a bordo



Tarja preta em karaoquê

ficção é meu Lexotan
palavra meu Prozac
vinho meu Valium

Reações adversas:
alergia a homeopatia
e bossa nova





Drika Nery
nasceu em São Paulo e acaba de completar 30 anos. Estudou Cinema e Vídeo, integra o Centro de Dramaturgia Contemporânea e escreve em seu blog
Peixe Cybernéticom.

www.peixecyberneticom.blogspot.com

terça-feira, maio 13, 2008

Por mais cores

Quem teve a oportunidade de ler a mais recente edição de nosso jornal impresso, fixou-se não só nos textos, mas também nas ilustrações. Todas elas foram desenhadas pela mesma mão, a mão de Jozz. Trabalhando um objeto (o balão?), colocado em situações, no mínimo, não-usuais, Jozz conseguiu um resultado fascinante.
Infelizmente, o jornal não pode manter as cores destas ilustrações (com exceção da capa e da contra-capa). Por isso, publicamo-nas agora em alta-resolução com todas as milhões de cores que um monitor RGB oferece.





Obs: clique nas imagens para visualizá-las em maior resolução.

sábado, maio 03, 2008

Para quem não esteve lá

O lançamento d'O Casulo durante a Virada Cultural foi um grande sucesso. Muitas pessoas, embora a cidade fervilhasse de atrações (mesmo na Av. Paulista, onde um grupo de percussão desfilava no momento do sarau), pararam alguns instantes para ouvir poetas declamarem seus versos. Tivemos a presença de muitos poetas publicados na nova edição como Zhô Bertholini (co-editor da revista A Cigarra), Annita Costa Malufe, Edson Bueno de Camargo e Gustavo Assano, entre outros. O público ouviu também a talentosa cantora Laurinha, da banda Casa da Mãe Joana, que tocou suas composições no violão. No final, abrimos o sarau e o público pode ler seus próprios poemas no palco.

Mas para não ficarmos apenas na descrição, aqui estão algumas fotos:

Laurinha e seu violão


A Casa das Rosas quase ficou pequena


Zhô Bertholini

Gustavo Assano


Edson Bueno de Camargo


Tercio Redondo lendo sua tradução de Herman Hesse


* Peço desculpas aos poetas que se apresentaram depois que a pilha de minha câmera descarregou.

terça-feira, abril 22, 2008

Lançamento do Casulo nº 8 na Virada Cultural!


É com enorme prazer que anunciamos a edição número 8 de nosso jornal de literatura O Casulo. Esta edição, que conta com o apoio da Casa das Rosas, será lançada durante a Virada Cultural terá poemas de Annita Costa Malufe, Renato Mazzini, Zhô Bertholini e muito mais na seção "Diversas vozes", a tradução de um poema de Hermann Hesse por Tercio Redondo e uma entrevista com o poeta belo-horizontino Ricardo Aleixo. As ilustrações são todas de Jozz (adiantamos aqui a ótima capa desenhada por ele) que em breve publicará mais trabalhos aqui no blog. Portanto, prepare-se que nossa semana está só começando!

O quê?
O Coletivo Vacamarela e a Casa das Rosas,
orgulhosamente convidam você:

para o lançamento do Casulo - jornal de literatura contemporânea - edição n. 8!

Onde e quando?
Na programação da Virada Cultural:
Dia 27 de abril, domingo, às 15h na Casa das Rosas
(Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura)
Avenida Paulista, 37 - próximo à estação Brigadeiro do metrô
São Paulo - SP

sábado, abril 05, 2008

Excertos novíssimos

Temos o prazer de anunciar que nova edição impressa d'O Casulo será lançada neste mês de abril! O lançamento será na Casa das Rosas durante a madrugada do dia 26 para o dia 27 integrando a Virada Cultural (mais informações nos post seguintes).
Nosso blog, como prometido, retorna à periodicidade semanal: hoje publicaremos três excertos inéditos de Marilia Kubota que farão parte do livro Selva dos Sentidos, ainda em produção. A publicação do livro está prevista para este ano. Então, esperem em breve informações sobre este lançamento. Por enquanto, aproveitem os ótimos textos da autora encontrados na site Escritoras Suicidas.

não consigo ficar livre
do gosto dos outros
o meu e o teu rosto,
superpostos são um ? sol impostor
ou vestígio de algum sentido
pedaços indefinidos
do todo invisível




metamorfose

sob a casca
a lagarta da seda
arredonda a redoma
e sonha asas.

a sombra do luto
anuncia:
breve aqui
mais um fruto

a metamorfose




imensidão

escalar montanhas
que só o silêncio influencia
reencontrar nas primeiras cavernas
vestígios de eternidades antigas
descobrir novos sentido e limite
além de sombras conhecidas
buscar sonhos que foram
mais que vento um dia:
alimento que a boca queria



Marília Kubota (Paranaguá/PR, 06/04/1964) é escritora e jornalista. Publicou ficção pela primeira vez em 1991, no extinto jornal Nicolau, iniciativa da Secretaria da Cultura do Paraná. Integrou as antologias Crônicas Paranaenses (1999), Tsé-tsé (2000/poesia), Passagens (2002/poesia) e diversas publicações: Medusa, Poesia Sempre, Inimigo Rumor, Suplemento Literário de Minas Gerais, e na internet Zunái, Germina, Cronópios e Lagioconda. Em 2007 lançou a coletânea 8 Femmes (Papel de Rascunho/poesia) e prepara Selva de Sentidos (Edições Água Forte do Brasil/poesia). Mantém o blog Micropolis e é editora do site Escritoras Suicidas. Trabalha com projetos de comunicação para a comunidade nipo-brasileira.

terça-feira, março 18, 2008

Para aquecermos

A cidade São Paulo nos últimos dias sofreu uma enorme mudança de clima. Todos pegaram suas galochas, guarda-chuvas e agasalhos para enfrentas chuva e o frio. Foi durante estes dias que confirmamos, com muito entusiasmo, os preparativos para a edição 8 de O Casulo, prevista para o mês que vem.
Para aquecermos o blog (que, realmente, anda um pouco muxoxo) publicaremos agora dois poemas de Silvia Chueire. Re-inauguração em chave de ouro (ou pétalas irisadas).

no escuro

a noite é uma sucessão de horas no escuro
não importa, nada importa
mais uma vodka
uma garrafa de bom vinho
uma carreira branca
mais uma canção a ser cantada
com a garganta trêmula
do sentimento que acossa
o blues magistral fatia a noite
emudecidas as conversas
resgata faces, humanas

é tarde
esgotam-se as horas
o corpo se ressente de ausências
crônicas as palavras caem
sobre o bloco
apanhado ao acaso

o corpo se ressente e cai
nos velhos braços jovens da noite
risos e mais uma dança
antes do amanhecer
sobre lençóis suspeitos

é a vida, diria depois
condescendamos





rubra

há uma rosa rubra na noite
uma rosa de silêncios e segredos

estende-se na madrugada

ninguém sabe das pétalas irisadas
pelo orvalho.

há uma rubra rosa na noite
é tua



Silvia Chueire, carioca, médica, psiquiatra, com formação psicanalítica. Só há oito anos começou a escrever poemas. Tem um blog há quatro anos, o In the meadow e outro, bem mais recente, (uma tentativa) de prosa, o Sempre Ontem. Participação em revistas virtuais de literatura, Germina, Escritoras Suicidas, Minguante.
Um livro de poemas publicado em Portugal, pela editora Cosmorama, em 2005 : Por favor, um blues. Participação na coletânea 8 femmes, livro de poemas que tem oito autoras de diferentes regiões do Brasil, publicado este ano, edição das autoras, organizado por Virna Teixeira.