Aviso:

Agora, a oficina online poesia feita de quê? possui um blog próprio http://poesiafeitadeque.blogspot.com/. Estão todos convidados: participem!

sábado, dezembro 08, 2007

Uma resenha de Lígia Dabul

E agora voltamos as publicações semanais. Hoje, como é costume após o lançamento, traremos uma outra faceta de uma poeta publicada na edição impressa do jornal. Temos o prazer de publicar uma resenha escrita pela poeta carioca Lígia Dabul para o livro tempo inteiro (Bem-Te-Vi, 2007) da também poeta Paula Padilha.


FINA TENSÃO NA POESIA
Lígia Dabul


O livro tempo inteiro é mais que a reunião de trinta belos poemas da poeta carioca Paula Padilha. Bem mais também que o desenvolvimento do tema que o título anuncia e vem explicitado e sugerido ao longo do livro todo. tempo inteiro é na verdade tom, tensão discreta e por isso eloqüente, que acompanha a leitura de cada poema e além: no desejo da volta ao texto, no reconhecimento do vestígio que fica dos seus versos. A poeta parece indicar essa permanência:

uma harmonia paralela
organiza o ritmo do passo
em busca do atalho fresco

primeira vibração
entre murmúrio e desejo

Paula Padilha não cede nunca aos feitos fáceis das palavras. Sua poesia conduz fluxos intensos de idéias, impressões, experiências, mas chega a resultados supostamente simples. O prazer do contato com seus poemas deve-se muito a essa aparência de transparência, à força sustentada por enorme leveza, produto do trabalho da poeta que tem tanto a dizer:

entre a primeira palavra
e a insubstituível
uma avenida intermediária

rascunho impermanente
por onde escolho enveredar
meu desalinho

olhar descalço (Rio de Janeiro, Editora da Palavra, 2001), seu primeiro livro, já oferecia leitura prazerosa de poemas sucintos, exatos, e elaborados com especial delicadeza. O leitor agora, em “fio”, “dentro” e “vidro”, as partes de tempo inteiro, vai reencontrar essa contundência escrita com a ponta mais que fina:

jamais pisei tão firme no exíguo
fio de prata estendido
sobre a natureza



Lígia Dabul nasceu e vive no Rio de Janeiro. Tem poemas publicados em revistas e jornais literários do Brasil e outros países, assim como o livro Som (Bem-Te-Vi, 2005). É antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense. Faz pesquisas em Antropologia da Arte - publicou diversos trabalhos sobre o tema, dentre eles o livro Um percurso da pintura (EdUFF, 2001).

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Saindo do casulo, entrando n'O Casulo


O lançamento da edição 7 d'O Casulo foi, sem dúvida, muito especial. A Casas das Rosas, que encerra o ano de 2007 com grandes novidades, abriu suas portas e recebeu alunos, pais, parentes, amigos e interessados em poesia em geral que esperavam atentos a premiação do consurso Saia do Casulo. Os jovens poetas, alunos de Ensino Médio, subiram ao palco e recitaram seus versos à interessada platéia. Agora, com imenso prazer, publicaremos aqui alguns poemas que, por falta de espaço, ficaram de fora do jornal. Parabéns a todos os alunos que, desde já, arriscam-se na produção literária.

Poema sem Nada

Este é um poema
sem cheiro, cor ou sabor.
Este é um poema
surrado, esfolado, abatido e cansado.
Este é um poema
que o cérebro mastigou,
não engoliu, e depois
pelas mãos escarrou.

......................................(Lucas Melhado)

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Coletivo Individual


Em seus olhos entreabertos, apenas Capitu encontrava espaço. Em seu coração já cansado de amar, apenas ela preenchia toda a vastidão de seus sentimentos. Não, não a sublime personagem machadiana, mas ela, que fazia a garganta do pobre menino tímido sentado no último banco daquele primeiro ônibus, querer saltar e voar livre como uma sílfide.
O cabelo bagunçado e as costeletas sobressalentes não eram mais notados que seu jeito comedido e pensativo, nem mais revolucionários que a confusa mistura latente em seu peito. Em que estaria pensando? Nela. O ônibus andava, o mundo girava, as casas passavam, as crianças brincavam e tudo o que aquela figura ímpar sentia era o perfume dela.
A mochila recostada aos seus pés recebeu com grande satisfação o imortal Machado, que se juntou a Neruda e Alencar. O que faziam eles ali? Na certa, discutiam o verdadeiro amor. Para um, o romance da índia perfeita, com seu ar pueril, retratado na poesia de outro. Para o terceiro, a inconstância dos corações humanos, ora apaixonados, ora adúlteros. Quem saberá o que estava sendo discutido dentro daquela bolsa, dentro daquele ônibus que passava por ruas ainda clareadas artificialmente? Mas de uma coisa tenho certeza. Se o rapaz, que agora ouvia serenamente os conselhos de Chico Buarque, participasse de tão magnífica palestra, certamente argumentaria que o verdadeiro amor não era aquilo que discutiam, mas sim, ela. Entretanto, ele não fora chamado para a discussão. Ficou de fora, sem nem observar aquelas autoridades que não encontravam acordo. Mas é claro que não encontravam! Apenas ele tinha a resposta.
A cabeça recostada não parava de se movimentar, mesmo parada. Em um instante, estava na Grande Muralha, de onde fugia para Delfos em menos de um segundo. Uma infinidade de lugares, embebidos em Chopin, com um único intuito comum: parar de pensar naquela garota. Mas era impossível. Creio que seja por isso que os países e as nações, que negros e brancos, que tribos e civilizações, que isqueiros e fósforos nunca se juntem. Para que, afinal? Ele não parará de flutuar naqueles olhos castanhos, mesmo.
E realmente não parava. Todo seu corpo transmitia mensagens vivas daquela doce paixão. Um coração discreto no bolso esquerdo da calça desbotada, um colar que os unia, cartas de amor secretamente escondidas na carteira que ela o presenteara. Ele a transpirava. Por um momento, pensei vê-la de olhos fechados no banco do ônibus que já parara. Mas não, fora, apenas, a eterna confusão de identidade de dois seres que se amam.
Com vacilantes passos, límpido semblante e algumas rimas baratas repetidamente repassadas, o menino caminhava pelas agitadas ruas de São Paulo. Os olhares curiosos, que tentavam em vão fuzilar-lhe a mente, contentavam-se em apenas questionar se o rapaz esquisito tinha algum destino. Esquisito por não ter destino? Ou por estar apaixonado? A selva de pedra é impiedosa. Basta surgir uma flor no meio do asfalto, que tão logo surge o escândalo. Aproveitem, a última rosa desfolha-se! Sabe... isso me lembra algum poeta.
Mas, no semáforo, qualquer minucioso observador encontraria o destino questionado. A luz vermelha impedia-o de passar. Os quinze segundos pareciam horas, dias, anos...Com cautela, a voz de Renato, aos poucos, abaixava. O silêncio mudo, do cantor e não do ouvinte, encontrava a sepultura na mochila. Enfim, o ponteiro dos segundos conseguira desvencilhar-se daquela paralisia, mas apenas metaforicamente, já que o garoto, que agora atravessava a rua, não usava relógio.
E muitos exclamarão: “Que destino! O outro lado da rua!” Mais uma vez, descuidado leitor, peço sua atenção. Não era, apenas, o outro lado da rua. Era o outro lado do arco íris, morada do precioso pote de ouro - ela.
Abraçaram-se fortemente e, nos ouvidos da garota, aqueles pobres versos foram declamados nervosamente. Dentro da mala, Neruda estremeceu ao ver que nem seus próprios poemas conseguiram emocionar um coração jovial, como aquelas pífias rimas conseguiram. Porém, como por recompensa, o garoto retirou-o de onde estava recostado e deu-o à menina, cujos olhos brilhavam mais do que nunca.
O curso da vida continuava. O casal à direita, com o amor em seu encalço e de mãos dadas, a cidade para cima, a vida para baixo e este humilde narrador, quem sabe, para outro ônibus desta metrópole.

(Bruno Lopez Molinero Gomes)

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Fogo Amigo

Certo dia, em um de meus passeios pela cidade, me vi em meio a um fogo cruzado.
Todos, sem exceção, possuíam armas.Desde a pequena menina que não se contentava com apenas um presente de aniversário ao mendigo feliz da vida por não precisar buscar um refúgio quente, já que era um daqueles dias de inverno em que o sol teima em aparecer e deixar o clima mais ameno.
Custei a entender tudo aquilo.Por sorte, estava bem protegido por detrás de um muro(que àquela altura, já devia estar cheio de buracos).
Vi um senhor, já muito debilitado, subir e descer a rua em que eu estava, com sua arma em punho.Ele estava ferido no ombro.Havia sido atingido pouco antes, por um garoto.
Ao me ver ali agachado, se aproximou e disse:
- Porquê é que se escondes?
- Me escondo porque tenho medo, respondi.
- Medo de que oras?!
- Medo de ser atingido por um deles!
Após ter dito isso o velho homem me respondeu com um muxoxo e acrescentou:
- Todos eles não passam de pessoas com armas nas mãos.
E foi embora logo em seguida.
Logo que o velho virou a esquina, meu esconderijo foi posto abaixo quando um carteiro me viu e disparou três vezes seguidas.Fiquei ali, estendido junto ao muro, sem o menor sinal de vida.Mas não estava inconsciente.
Só então pude enxergar tudo com clareza

(Pedro Rodrigues)

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Valor

Tudo começara quando o menino achara na rua uma raposa de pêlos ruivos, quase que ardendo em chamas. Na ocasião, parecera uma boa idéia levar o bicho para casa até que o dono aparecesse ou algo do tipo. Não era um filhote, mas também não se podia dizer que era um adulto, pensaram o garoto e o animal na ocasião.
Ocorreram as coisas relativamente bem, até que a mãe do garoto perguntou por que ele ficava tanto tempo trancado em seu quarto, ao que ele respondeu, supondo-se muito corajoso, Estou escondendo uma raposa que achei na rua, e a mãe zangou-se com o feito do menino, onde já se viu esconder uma raposa? O jovem, decepcionado com a mãe, foi ao quarto e bateu a porta.
Andam ambos juntos, menino e raposa, pela rua afora. Estão procurando, talvez, o sentido daquilo tudo, as verdades ocultas na vida ou, o que talvez seja mais provável, um lugar para o pobre bicho selvagem. Selvagem? Mas ele se comportou direitinho todo esse tempo! Qual o problema em continuarem as coisas como estão?
Apenas uma raposa, droga!
Sentam-se ambos, já cansados, numa calçada qualquer. O menino afaga a cabeça do pobre canídeo, que fora ainda mais duramente abandonado do que ele, esperando um milagre ou algo congênere.
Latidos!
A raposa ergue as orelhas, sente todo os seus músculos ferverem e, num só pique, vence a distância de dois quarteirões e vira na r. Corta Azar num frenesi quase religioso, como se os latidos remetessem a terríveis memórias das caçadas infernais de outrora. O menino, desesperado por ver-se livre de seu problema, chora copiosamente.
Entretanto, quando chegar em casa, sua mãe elogiará sua obediência e capacidade de se livrar das coisas inúteis

***

Breve


Remexia o lixo com o focinho, lançava os restos de um lado para o outro em busca de humanidade, esse dejeto sócio-industrial da sociedade. Havia, é verdade, alimento suficiente para seu estômago, mas nada que satisfizesse seu resquício de racionalidade.

Rebaixada à condição de simples animal, livrara-se de todas as vontades, desejos, sonhos, sublimes aspirações da juventude, e tudo que ainda restava era a pálida certeza de que não havia por que dexistir.

Deitada sobre a própria comida, a cabeça livre de nostalgia ou doces lembranças, a raposa apenas deslizava pelo ser e estar.

Dois anos depois, apagar-se-ia como se nunca houvesse.

(Ricardo Koiti Abreu Miyadam)

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Um café



— Um café, um café! — gritou a senhorinha que ia entrando naquele barzinho de esquina. — Um café, um café!...

Ela entrou e foi se chegando numa mesa de canto, espremendo-se toda, colocando a bolsa de tricô no banco único, ajeitando o corpo gordo naquele pequeno espaço.

— Pois não. O que a senhora deseja? — perguntou o jovem garçom.

— Moço, um café, faz favor.

— Sim.

E lá se foi ele. A senhorinha esperava, olhando ao redor. O bar estava meio lotado, não muito cheio, mas um cheio significativo para àquela hora daquela tarde de garoinha. Devem ter entrado para se abrigar. Para não se adoentarem. Pingos finos que não param. Frio. Brrr!

O garçom voltou com a bandeja. Uma xícara branca com café, açúcar e adoçante.

— Tá quente?

— É claro. Servimos bem nossos clientes, senhora.

Ele pousou a xícara na mesa da velhinha e foi logo empurrando o adoçante. Impondo.

— O que é isso? Quero açúcar. Sou velha, mas ainda posso aproveitar.

Nos lábios do garçom se esboçou uma risada — uma risadinha com o canto da boca, aquela risadinha sarcástica —, e uma colher cheia de açúcar caiu dentro da xícara.

— Mais, mais — disse a velhinha. — Como te disse, ainda posso aproveitar.

— Sim, senhora...

Ele pôs mais algumas colherinhas, mexeu, e se foi. A velha olhou bem a xícara de café, conferiu para ver se estava mesmo quente, olhou bem para o garçom. É, ele é bem bonito. Tem seus dotes. Um bumbum bem gostoso, pensou a velha. Um bumbum bem gostoso. Seria ele então? (Mordidinha nos dedos.) Pode ser. Será ele? (Mordida violenta.) Sim, com certeza. Huumm.

Ela pegou a xícara e preparou-se para beber. Aquele líquido doce, ansiado há tanto tempo — pois o médico dissera para ela parar com o café se quisesse continuar mais alguns anos de vida —, desceu com um prazer imenso pela garganta. De princípio deu-lhe até certa ânsia. Líquido doce e novo. Não, novo nem tanto, mas era de uma renovidade instantânea para a velhinha, era aquela velha novidade se refazendo por dentro. Um arroto subiu. Seria a alergia? (E tinha também o diabete.) Se for não tem problema, não duro muito mesmo. Glub, glub, glub, fazia a velhinha. Glub, glub, glub, o canto da boca se sujava. Glub, glub, glub, ela limpava com a manga da blusa os vestígios de café.

— Ô garçom! — gritou novamente.

Ele chegou.

— Sim?!

A velha corou. Virou o pescoço para o lado, riu baixinho.

— Posso te perguntar uma coisa?

— Claro.

Ela não teve coragem.

— Nada não. Me traga mais café, sim?

— Tudo bem. Açúcar?

— Sim, açúcar;

Ele voltou rápido.

— Aqui está.

— Muito obrigado.

Ele se foi.

A velha bebeu com tanta voracidade a segunda xícara de café que nem dera tempo de o garçom cruzar a mesa ao lado da dela. Ela o chamou pela terceira vez.

— Ôôôô garçom! — grito com uma voz estridente e corajosa. Grito dado com uma voz nova.

— Siiiim! — retornou ele.

— Volte aqui.

Ele voltou.

— O que quer desta vez?

— Posso te perguntar realmente uma coisa?

Ele se irritou.

— Pode, pode. Pergunta logo que ainda tenho que atender os outros clientes.

A velha pegou a bolsa, a ajeitou no ombro, e soltou:

— Está certo. É... você, assim, não quer se deitar comigo?

— O quê? — espantou-se o garçom.

A velha baixou o tom de voz, quase em sussurro. Mas no ambiente nem era necessário tanto, ninguém lhes dava atenção. Talvez seria sensualidade?

— Isso mesmo que você ouviu. E eu ainda pago bem. Aceita?

— Oh!, pelo amor de Deus, minha senhora — disse ele, exaltado.

O bar inteiro então se virou para o garçom. Espantadas, as pessoas pensaram que o homem maltratava a pobre senhorinha.

— Não se preocupe, pessoal. Essa velha maluca já está de saída.

— Posso te ajudar, senhora? — disse um homem forte e barbudo que estava próximo, que se levantou batendo estupidamente na mesa.

— Não, não está acontecendo nada de mais, meu filho.

Então ela voltou a falar com o garçom.

— Eu pago bem, entendeu? Aceita?

— Suma daqui! Pervertida. Não precisa nem de pagar o que bebeu.

O garçom a levantou pelo braço — quantas sobras de pele — e a arrastou até a porta de vidro. As pessoas que lá estavam assustaram-se com a cena, criando de momento certa piedade pela senhorinha.

— E não volte mais aqui! Guardei tua cara enrugada — gritou o garçom, lançando-a com violência para fora do bar.

Pela porta ele ainda a observou cruzar a rua, meio cambaleante (pelo diabete ou pelo ato de brutalidade?), ajeitando a bolsa no ombro. Ele viu-a cruzar a rua cinzenta, naquela garoinha fria, subir o passeio e entrar no bar da outra esquina. O garçom deteve-se aos clientes postos às mesas, que já tinham se esquecido da senhorinha. Mas um som ao longe — e deu-se para ouvir muito bem —, mesmo estando lá, atento, o garçom teve a precisão de escutar, em tom de desejo, a voz arrastada da velha que entrava pela porta do outro bar, gritando:

— Um café! Um café! Moço, por favor, um café! Um café!...

(Leonardo Fernandes Paiva)

sexta-feira, novembro 30, 2007

Falta apenas um dia

E hoje uma resenha de Ivan Hegenberg sobre o livro de Ari Almeida, O Manual Prático de Delinqüência Juvenil. Confiram:


Para o maior terrorista poético do Brasil



Ari Almeida, você é mais importante do que imagina. Se você soubesse o quanto as conversas dos artistas plásticos e dos poetas chegam sempre no mesmo impasse... Uma palavra freqüente é “crise”, pois é isso que está tomando conta de todas as expressões artísticas. A coisa é séria, os artistas estão todos perdidos, parecem mais cobras mordendo o próprio rabo. Existe, entre os poetas e artistas de hoje, uma tentativa de fundir arte e vida, de dissolver a arte no cotidiano, de fazer com que o dia-a-dia se torne mais poético. A intenção é empolgante: se o próprio correr dos dias fosse tão rico e intenso quanto um poema épico ou quanto a pintura mais bonita, já não precisaríamos nem de museus nem de coletâneas de autores. Mas a verdade é que essa tentativa fracassou, o artista continua fazendo o papel de uma instituição, de uma autoridade que decide o que é arte e o que não é. Ou seja, se precisamos do “Artista” como uma espécie de juiz, a arte continua separada da vida.
Eis que de repente, Ari, você entra na discussão. Você mesmo, jamais um artista, antes um guerrilheiro da contracultura. Nem sequer assina com o nome verdadeiro (caramba, quem é Ari Almeida?). Não pede licença para invadir a casa dos outros e espalhar suas idéias onde quer que esteja. Entende como ninguém o quanto a verdadeira história é a história do desejo. Percebe que num mundo apático como o nosso, a consciência só é despertada diante de verdadeiros crimes. E portanto oferece o terrorismo poético como alternativa, em lugar da crueldade do terrorismo real. Palavras e imagens não bastam para mudar o mundo, daí nasce teu amor pela ação. Se alguém quiser mesmo fundir vida e arte no mesmo gesto, é preciso deixar de lado toda a história da arte. Você não precisa do status de artista para ser arteiro: de outra maneira, só teria histórias frustradas para nos contar.
E o que não te falta é repertório, como você descreve no Manual Prático de Delinqüência Juvenil. Com os Delinqüentes, você ousou como um verdadeiro Lampião, com a diferença que trocou a carabina pelo estilingue. Se nós, poetas angustiados, declamamos poesia nos saraus, vocês os atiraram para dentro das casas, quebrando as vidraças e a apatia. Os muros também não foram poupados, fazendo as vezes de tela para pinturas e frases que são como disparos. Nem mesmo a sagrada televisão, a maior rival da cultura, ficou ilesa: Delinqüentes não precisam respeitar nem mesmo Rede Globo, invadem a programação e dão sua própria versão (na verdade, a subversão) do Jornal Nacional. Nas mãos de vocês, o que era um cínico out-door se torna uma queima de fogos, o que era enfeite de natal vira protesto contra o consumismo, e um técnico de geladeira merece tanto carinho quanto um grande artista ou um popstar.
Não pude deixar de notar que você tem suas mil contradições, que tento entender como efeito colateral de uma liberdade radical. Como você mesmo disse: “Hoje quem não está confuso ou está mal informado ou está sendo desonesto consigo mesmo”. Devo admitir que não é fácil te defender em público, não se fala de alguém tão polêmico impunemente. Claro que eu vejo uma grande beleza quando você conta que invadia casas para, em vez de roubar, presentear o morador com mensagens disruptivas ou com surpresas maravilhosas. É uma generosidade ampla, com a qual não estamos acostumados. Eu me pego sonhando com o que foi que sentiu a criança que ganhou um coelhinho vivo na páscoa, na calada da noite; ou a velha viúva que se deparou com uma horta inesperada em seu quintal; ou mesmo as madames que podem, talvez, “não terem entendido nada”, mas tiveram uma chance de questionar seu próprio marasmo. Não podemos esquecer, no entanto, que nem tudo que vocês fizeram pode ser imitado. São Paulo é mais perigosa que Curitiba: a polícia é mais intolerante e os traficantes estão por toda parte. Invadir casas por aqui não é recomendável. Além disso, algumas de suas subversões não me parecem boas saídas: uma catapulta de merda contra os carros novinhos da fábrica da Renault pode simbolizar uma vingança contra os ricos, mas quem limpa a sujeira depois é um homem do povo, vítima do sistema.
De qualquer maneira, em um mundo tão caótico como o nosso, acho importante ver o que tem a dizer quem busca converter todo o caos em algo positivo. Comoveu-me muito um comentário em seu blog de um professor, chamado Renato, que levou suas narrativas para a sala de aula e confessou que aprendeu contigo algo sobre união. Pode parecer desnorteador pensar que aprendemos algo tão sublime com alguém tão porra-louca, mas o perigo maior não está no seu livro nem no blog. Está na realidade em decadência, e você mesmo demonstra isso em sua prosa beatnik.
É difícil prever o que acontecerá com cada pessoa que ler o Manual, mas não duvido que ele possa até mesmo salvar vidas. É um livro que dá alternativas aos jovens mais inquietos: aqueles que se sentem sem rumo, que cedo ou tarde acabariam se perdendo, que se marginalizariam sem volta, que se desesperam por não entender porque não se adaptam. Nós precisamos desses inquietos, conscientes e em liberdade. São eles que nos dão a esperança de que algo possa mudar. Não sei se todos te compreenderão, Ari, mesmo porque você é um poço sem fundo de contradições. Ainda assim, não escondo a admiração pelo terrorista que, se nunca invadiu minha casa com seus disparos, invadiu minha mente com os relatos, e com isso mudou minha vida.

O Manual Prático de Delinqüência Juvenil tem publicação prevista para o fim deste ano, pela Editora Deriva, a um preço popular.

Mais informações: http://editoraderiva.multiply.com/
excambo@yahoo.com.br



Ivan Hegenberg é escritor e artista plástico. Em 2005 lançou A grande incógnita (contos) e em 2007 Será (romance). Tem textos publicados no site Cronópios e no blog L’enfant Le terrible: http://ivanhegenberg.blogspot.com.

quinta-feira, novembro 29, 2007

2 em 1

Faltam apenas dois dias! Não percam o lançamento de O Casulo.


Estas são algumas imagens do 2 em 1 digital, que é formado por Rafael Agra e Andrea Pedro. O coletivo apresenta trabalhos que dialogam com as técnicas tradicionais de pintura aliada aos recursos da computação gráfica, e passeiam por suportes tão diversos quanto luminárias, bolsas, agendas, camisetas etc.


.: o coletivo 2 em 1 digital estará exposto de 04 de dezembro de 2007 a 19 de janeiro de 2008 no Central das Artes ( Rua Apiganés, 1081, Sumaré - São Paulo - SP; tel: 11 3865-4165).



(clique nas imagens para ampliá-las)






segunda-feira, novembro 26, 2007

Lançamento do Casulo nº 7!


A edição 7 do jornal de literatura contemporânea O Casulo, que contou com o apoio do VAI (Valorização de Iniciativas Culturais da Prefeitura de São Paulo) nos dois últimos números, será lançado dia 1º de dezembro na Casa das Rosas — Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, a partir de 19h.

O lançamento é um dos marcos da reabertura da Casa das Rosas como pólo literário da cidade, após a exposição CAD Brasil (Casa Arte & Design), que se encerrou em outubro deste ano.

Haverá também leitura de poemas, inclusive com a participação dos alunos de ensino médio, vencedores do concurso literário Saia do Casulo.

Abaixo, prévia do conteúdo de O Casulo número 7:

Poemas
de Alberto Pucheu (RJ)
de Ana Elisa Ribeiro (MG)
de Lígia Dabul (RJ)

Tradução
de poemas do norte-americano Bill Knott, por Reuben da Cunha (MA)

Conheça
a história de Roberta Maria da Conceição e Severino Manoel de Souza, que criaram a Biblioteca Comunitária Prestes Maia. E saiba o que eles fazem, onde vivem e o que aconteceu com a biblioteca depois da desocupação do Edifício Prestes Maia, no centro de São Paulo.

Resultado do Concurso Saia do Casulo
confira os textos premiados de alunos de Ensino Médio.

Arte da capa e ilustrações
de Angelina Camelo (MG)

Mais ilustrações
de 2 em 1 digital - Rafael Agra & Andrea Pedro (SP)

No mesmo dia, como postado abaixo, será oferecida na Casa das Rosas a oficina "Poesia brasileira contemporânea e o exílio na especificidade" por Andréa Catrópa, uma das editoras do jornal.

Então é isso:

Dia 1º de dezembro – das 10h às 14h30
Oficina de poesia (por Andréa Catrópa) - - 20 vagas

Ainda no dia 1º — a partir das 19h
Lançamento jornal O Casulo – literatura contemporânea – número 7 - com leitura e participação dos ganhadores do Concurso Saia do Casulo

Casa das Rosas (Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura)
Avenida Paulista, 37 – próximo à estação Brigadeiro do Metrô
Telefone: (11) 3288-9447
http://www.casadasrosas.sp.gov.br/

Lembrando que todas as atividades são gratuitas.

domingo, novembro 25, 2007

Oficinas na Casa das Rosas

A Casa das Rosas — Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura passou por uma grande reforma este ano e agora se prepara para abrir suas portas novamente a todos os admiradores de literatura. Ainda haverão alguns eventos até o fim deste ano mas nos reservamos a divulgar as três oficinas literárias que serão realizadas durante o mês de dezembro. Destacamos a oficina de nossa co-editora, Andréa Catrópa, sobre poesia brasileira contemporânea que é aberta a público, completamente gratuita (será a última oficina organizada pelo jornal O Casulo este ano). Uma oficina muito bem ministrada e voltada a todos os interessados em literatura contemporânea.
E se puder, compareça também nas duas oficinas de criação que a Casa das Rosas oferece este mês: haikai com a grande poeta Alice Ruiz e de narrativas breves com o contista, vencedor do Jabuti, Marcelino Freire.




CURSOS DE DEZEMBRO 2007

Poesia brasileira contemporânea e o exílio na especificidade
Por Andréa Catropa

Dia 1 de dezembro das 10 às 14:30
Vagas: 20
Gratuito

O objetivo desta oficina é fornecer aos participantes algumas ferramentas para sua reflexão acerca da poesia contemporânea brasileira. Para isto, faremos um breve panorama dos principais eventos da poesia moderna nacional e um detalhamento de algumas características do cenário literário, desde a década de 70 até a atualidade. Também iremos nos deter na leitura de alguns textos deste período, para que os elementos teóricos sejam confrontados com a produção poética atual.


Oficina de haikais
Por Alice Ruiz

Dias 12, 13 e 14 de dezembro, das 19 às 21hs
Vagas: 30
Inscrição: R$ 10,00

Essa oficina se propõe a familiarizar os participantes à técnica e prática do haikai- poesia mínima de origem japonesa, analisando e cotejando a produção de haikais japoneses e brasileiros, em conjunto, tendo assim um rápido apanhado histórico. Na parte prática, o participante inicia com exercícios de tradução passando para a criação em conjunto, e com a coordenadora, havendo espaço, é claro, para as produções individuais.

Oficina de narrativas breves
Por Marcelino Freire

Dias 12, 13 e 15 de dezembro, das 19 às 21hs, (sábado, dia 15, das 15 às 17hs)
Vagas: 30
Inscrição: R$ 10,00

O autor de “Contos Negreiros”, “Balé Ralé” e “Angu de Sangue”, dentre outros, Marcelino Freire ministrará esta oficina em que mostrará aos participantes os passos para se construir uma narrativa breve que prime pela qualidade através da forma concisa.


***

As inscrições devem ser feitas pessoalmente na Casa das Rosas, com Fernanda César, de segunda a sexta, das 10 às 18h.

Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Av. Paulista, 37 – Bela Vista
São Paulo – SP
Tel: 3288-9447
www.casadasrosas.sp.gov.br


sábado, novembro 24, 2007

inédito de Annita Costa Malufe

Depois de um longo hiato voltamos com as postagens semanais. E com muitas novidades: a próxima edição imprensa do jornal já está no prelo e será lançado dia 01 de dezembro na Casa das Rosas — Espaço Haroldo de Campos de poesia e literatura (começamos a contagem regressiva. Novas informações todos os dias, aguardem). Agora, temos o prazer de anunciar a publicação de um poema inédito de Annita Costa Malufe, parte de seu novo livro Nesta cidade e abaixo de teus olhos, que será publicado em breve pela Editora 7Letras. Que 2008 comece com este e mais grandes lançamentos na poesia brasileira!

caber na realidade das ruas
colher as falas das ruas
perambular pelas ruas
procurar o poema nas ruas como se
de um pequeno lapso de tempo entre
a partida do ônibus o amarelo
do sinal o senhor que se abaixa para
amarrar os sapatos alguma coisa marcasse
uma parada imperceptível do tempo uma luz
que roça a copa das árvores meio de lado
meio no cair da tarde como se tivesse
sido lançada pelo som dos sinos das seis
sumindo com os sinos levando os sinos e
as árvores e as ruas e o poema e as falas
para um lugar
em que o mundo
já não fala

[para Heitor Ferraz]


Annita Costa Malufe é pesquisadora, nasceu e vive em São Paulo. É autora do livro de poemas Fundos para dias de chuva (RJ, Ed.7Letras, 2004) e do ensaio Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar (SP, Ed. Annablume, 2006). O poema acima faz parte de seu novo livro, Nesta cidade e abaixo de teus olhos, a sair pela Ed. 7Letras ainda neste ano. Atualmente, conclui seu doutorado em teoria literária pela Unicamp, estudando poesia brasileira contemporânea e filosofia da diferença francesa.

sábado, outubro 27, 2007

Oficinas literárias O Casulo

Entre os meses de outubro e novembro deverão ocorrer 20 oficinas literárias O Casulo. A intenção inicial é apreender e auxiliar a produção poética dos alunos de Ensino Médio da rede pública da município de São Paulo. Poetas de conhecido repercussão apresentam aos adolescentes um pouco de teoria e estimulam a escrita sugerindo a utilização de alguns recursos recorrentes na linguagem poética.
Agora temos uma notícia ainda melhor: estas oficinas literárias vão expandir seu alcance. Numa parceria com a ACEPUSP, faremos cinco oficinas abertas ao público interessado em poesia. Pessoas de todas as idades poderão comparecer, para desenvolver a produção seus próprios poemas ou simplesmente para melhorar sua maneira de ler poesia. Infelizmente, uma destas oficinas (Formas poéticas, por Fabiano Calixto) ocorreu no sábado passado e outra
acaba de ocorrer hoje (Sonoridade na poesia, por Frederico barbosa). No entanto, ainda ocorrerão 3 oficinas que, esperamos, sejam muito frutíferas.

As oficinas ocorrem todos os sábados às 10 horas da manhã no ACEPUSP:
Rua da Consolação, 1901 (próxima ao Metrô Consolação) - São Paulo/SP.
fone: (11) 3258-1436


As próximas oficinas serão:

03/11/07 - Teoria e prática do poema, por Flávio Rodrigo Vieira (estudante de Letras Português/Alemão pela USP)

10/11/07 - Imagem criadora, imagem criação, por Juliana Bratfisch (estudante de Letras Português/Francês pela USP)

17/11/07 - Jornalismo literário, por Ana Paula Ferraz (poeta integrante do Coletivo Vacamarela e jornalista formada pela PUC-SP)

* para maiores informações e esclarecimentos mande um e-mail para nuernberger@terra.com.br

sábado, outubro 20, 2007

Dois trechos de Elisa

Esta semana apresentamos a poeta Elisa Andrade Buzzo. Ela é membro do conselho editorial d'O Casulo, revisora e uma das responsáveis pela assessoria de imprensa do nosso jornal. Incansável, co-edita também a revista Mininas e mantém uma coluna no site Digestivo Cultural. Além de tudo, ainda possui um blog pessoal chamado Calíope. Os poemas em prosa publicados aqui estão publicados nas antologias Cuatro poetas recientes del Brasil (Buenos Aires: Black&Vermelho, 2006) e Oitavas (São Paulo: Demônio Negro, 2006), respectivamente. Como conhecedor de seu livro de estréia afirmo com bastante prazer que sua poesia tem se refinado cada vez mais nos últimos tempos. Aproveite estes dois poemas recentes que, quem sabe, constarão no próximo livro da poeta.


Trecho de e-mail a Elias

embora eu não sorrisse, se clarificava uma felicidade íntima em percorrer a rua, nas costas a mochila, na mão esquerda, apoiados contra o peito, alguns livros, na mão direita uma sacola de plástico com uma lasanha à bolonhesa congelada, já começando seu processo de derretimento; se a água escorresse, poderia refrescar as milhares de cabeças que formigavam no calor de 30º, ou mais, da cidade; o mundo num lilás macio passava através das lentes dos óculos de sol, onde me refugio entranhada na segurança do escuro fresco; tamanha era a satisfação em dobrar os quarteirões, as chinelas havaianas azuis claras massageando a calçada irregular, geografia insólita do grande rosto da Terra retorcido de feições acumuladas, imprimindo nos meus pés sua deformidade; luzidia, não ria.

(Cuatro poetas recientes del Brasil, Buenos Aires, Black&Vermelho, 2006)





Ondulações

No entortado da letra forjo a cidade em palavras mata-borrões. Mancha gráfica é a cidade que imprimo fora de cores na noite. No limite negro-azul entre ela e a madrugada, os autos não respeitam os sinais no horizonte. Cada buraco, cada reentrância oscilante – fratura no asfalto – na qual indiretamente me deito e logo depois sou alçada. Um observador externo certamente veria as gorduras das bochechas e dos peitos tremendo. Sobressai minha caligrafia tremida sobre a noite amortecida; ressaltam-se sinais, rugas, sulcos gelatinosos. Na velocidade da luz noturna, o ônibus bóia no espaço, sou parte dessa estrutura que levita. Ele sobe tão rápido que minha escrita se descompassa, as fachadas de metal das lojas tornam-se um risco cinza de grafite definitivo. Escrevo as cenas que desabrocham na noite, como as camélias brancas desprendem um aroma doce e enérgico. A tentativa de reter essa fragrância é inexpressiva. Na noite quente de primavera, grilos esperneiam – e a cidade omite os insetos nas verduras. A escuridão fresca absorve a tinta da caneta: papel-chupão. Existe um momento na madrugada paulistana em que o atrito se desfaz das ruas. E as letras escorrem tranqüilas e macias.

(Oitavas, São Paulo, Demônio Negro, 2006)

Elisa Andrade Buzzo é jornalista, co-edita a revista de literatura e artes visuais Mininas e tem coluna no site Digestivo Cultural. Seu primeiro livro de poesia é Se lá no sol (7Letras, 2005). Ainda em livro, participa das coletâneas Oitavas (Demônio Negro, 2006), Cuatro poetas recientes del Brasil (Black&Vermelho, 2006) e Caos portátil, poesía contemporánea del Brasil (El Billar de Lucrecia, 2007).

quinta-feira, outubro 11, 2007

Sarau temático na Alceu Amoroso Lima

O coletivo Vacamarela realizará em outubro e novembro saraus temáticos na Biblioteca Alceu Amoroso Lima. Os temas serão escolhidos por alguma data representativa comemorada em cada um dos meses. Dia 19 de outubro às 19h30 será o primeiro sarau da série e celebrará o Dia das Crianças. A entrada é gratuita e as participações são muito bem-vindas.




quinta-feira, outubro 04, 2007

Andréa Catrópa, prosadora

Esta semana, temos o prazer de publicar a poeta e mestre em Teoria Literária pela USP, Andréa Catrópa. Ela é co-editora da versão impressa do jornal O Casulo, participa da organização do blog, das oficinas literárias nas escolas públicas, da seleção dos poemas e tantas outras atividades. Sua incansável dedicação a literatura contemporênea, desde o tempo da revista Metamorfose (editada na época de sua graduação em Letras/USP, início de sua parceira com Eduardo Lacerda), é digna de saudação. Esta publicação é, portanto, cheia de referência pessoal mas nunca ignorando a qualidade literária. Apesar de possuir uma produção de poemas bem conhecida, publicaremos aqui um pequeno conto de sua autoria. Salto sem rede de proteção? Arrisquem-se também expondo comentários.



mãe

Minha mãe entrou pela porta, apressada como desde que a conheci, contando detalhes de sua ida ao supermercado. Antes de entrar, sempre tocava a campainha repetidas vezes. Era inútil tentar abrir a porta. Quando procurávamos virar a chave, ela já havia achado a sua e, do lado oposto, bloqueava a fechadura. Ao primeiro passo na sala, já nos chamava, afobada, às vezes rindo, às vezes com ódio de alguma cotidiana desventura comercial. Aumentaram o preço do alho, uma velha malcriada roubou o último pedaço de filé que já estava em meu carrinho. Não importava de que tarefa nos ocupássemos, nós que ficamos. Sua entrada era um evento que exigia atenção e um eventual pedido de silêncio era tratado com total descaso. Que tudo parasse, pois ela tinha algo para contar, uma informação a partilhar e tudo podia ser agora. Sua pressa era indefinida pelo relógio. A correria do café da manhã. Depois do almoço. E do jantar. A hora de levar as crianças na escola. A hora de buscar.Era um contínuo de desventuras a que se devotou, pois tudo tinha para ela um pesar quase religioso.
Entrou e era uma entrada sonora. Com barulho de moedas, roçar de sacos plásticos, e um ou outro palavrão quando algo caía. Nesse caso, dependendo do humor, quem mais estivesse perto da porta seria o culpado por não tê-la ajudado. Na sala, tudo ia caindo ao chão, desenhando um rastro até a cozinha. De lá, resoluções ditas em voz alta para si e para os outros. O almoço precisava sair rápido, estava tudo atrasado.E isso se repetia. Todos os dias saía, voltava, mesma hora.
Cotidiano marcado. Sugestões de mudança eram afastadas com protestos. Como poderia se adiantar, se precisava esperar que acordássemos para nos dar o café? Ela estava de pé desde as sete e meia, desde as SETE E MEIA. Inútil explicar que podíamos tomar o café sozinhos, ou ajudar no almoço. Ela estava com pressa ela estava cansada ela estava sozinha. Reclamava enquanto mexia os ovos, fritava a cebola. Depois recontava o mesmo evento que já tinha contado. Ela desconhecia o silêncio ou não queria voltar a encontrá-lo.
Anos de repetição talvez tenham criado ecos. Minha mãe entrou na sala como sempre, ainda que estivesse longe daqui. Olhei para a porta fechada. É estranho não querer quem amamos.



Andréa Catrópa é mestre em Teoria Literária e uma das editoras do jornal de literatura contemporânea O Casulo. Integra a coletânea 8 femmes e seu primeiro livro de poemas Linha d’água está no prelo.

sábado, setembro 22, 2007

OVELHA NEGRA (Black Sheep): Uma antologia de poesia da escócia do século XX

No dia 27 de outubro, às 20:30h, na Sala Cultura Inglesa do Centro Brasileiro Britânico (Rua Ferreira de Araújo 741 3º andar; São Paulo SP; fone 3095 4466) haverá o lançamento do livro "Ovelha Negra", a primeira antologia de poesia escocesa disponível no Brasil, edição bilíngüe com a seleção se 13 poetas 13 poetas escoceses doséculo XX: Hugh MacDiarmid, Norman MacCaig, Edwin Morgan, George Mackay Brown, Ian Hamilton Finlay, Alastair Reid, Stewart Conn, Douglas Dunn, LizLochhead, Tom Leonard, Jackie Kay, Dilys Rose e Richard Price. A antologia, da Lumme Editor e apoiada pelo Scottish Arts Council e Cultura Inglesa, tem tradução integral da poeta Virna Teixeira, autora dos livros "Visita" (7Letras, 2000) e "Distância" (7Letras, 2005). Para anteciparmos um pouco o lançamento desta quinta-feira, que terá participação de Christopher Mack e apoio da St Andrew's Society, publicamos agora três poemas de Douglas Dunn, presentes na antologia, e suas respectivas traduções:

Modern Love
It is summer, and we are in a house
That is not ours, sitting at the table
Enjoying minutes of a rented silence,
The upstairs people gone. The pigeons lull
To sleep the under-tens and invalids,
The tree shakes out its shadows on the grass,
The roses rove through the wilds of my neglect.
Our lives flap, and we have no hope of better
Happiness than this, not much to show for love
But how we are, or how this evening is,
Unpeopled, silent, and where we are alive
In a domestic love, seemingly alone,
All other lives worn down to trees and sunlight,
Looking forward to a visit from the cat.



Amor Moderno
É verão, estamos em uma casa
Que não é nossa, sentados à mesa
Desfrutando minutos de silêncio alugado,
Os hóspedes de cima partiram. Os pombos embalam
o sono das crianças e dos inválidos,
A árvore sacode suas sombras na grama,
As rosas vagueiam no agreste da minha negligência.
Nossas vidas oscilam, e não temos esperança de melhor
Felicidade que esta, não tanto para demonstrar amor
Mas como estamos, ou como está essa noite,
Despovoada, silenciosa, e onde estamos vivos
Em um amor doméstico, parecendo sós,
As outras vidas desgastadas de árvores e luz do sol;
Esperando ansiosas por uma visita do gato.



Men of Terry Street
They come in at night, leave in the early morning.
I hear their footsteps, the ticking of bicycle chains,
Sudden blasts of motorcycles, whimpering of vans.
Somehow I am either in bed, or the curtains are drawn.
This masculine invisibility makes gods of them,
A pantheon of boots and overalls.
But when you see them, home early from work
Or at their Sunday leisure, they are too tired
And bored to look long at comfortably.
It hurts to see their faces, too sad and too jovial.
They quicken their step at the smell of cooking,
They hold up their children and sing to them.



Homens da Terry Street
Eles chegam no período noturno, partem de manhã cedo.
Escuto seus passos, o clangor das correntes de bicicleta,
Bombas súbitas de motocicletas, choramingar de vans.
De certo modo estou na cama, ou com as cortinas puxadas.
Esta invisibilidade masculinas os torna deuses,
Um panteão de botas e macacões.
Mas quando você os vê, em casa logo após o trabalho
Ou no seu descanso de domingo, estão cansados demais
E entediantes de se observar por muito tempo.
Dói enxergar suas faces, tão tristes e tão joviais.
Eles apressam o passo com o cheiro da comida,
Levantam suas crianças e cantam para elas.



Love poem
I live in you, you live in me;
We are two gardens haunted by each other.
Sometimes I cannot find you there,
There is only the swing creaking,
that you have just left,
Or your favourite book beside the sundial.



Poema de amor
Eu habito em você e você em mim;
Somos dois jardins assombrados pelo outro.
Às vezes não consigo encontrar você ali,
Há somente o balanço rangendo,
Logo após sua partida,
Ou seu livro favorito atrás do relógio de sol.


Douglas Dunn nasceu em 1942 em Inchinnan, Renfrewshire. Trabalhou como bibliotecário, estudou inglês na Universidade de Hull, e desde 1991 é professor do departamento de literatura escocesa na Universidade de St Andrews. Recebeu diversos prêmios literários. Contribui regularmente como ensaista em diversas revistas e jornais, tais como Glasgow Herald, the New Yorker e o the Times Literary Supplement. Além de poeta e prosador, tem editado várias antologias e estudos de crítica literária.

Virna Teixeira, tem dois livros de poesia publicados ("Visita" e "Distância", 7 Letras), foi bolsista Chevening do British Council, morou em Edimburgo por 2 anos, e recentemente organizou e traduziu o livro “Na Estação Central” do poeta escocês Edwin Morgan (editora UnB).

Lumme Editor em diálogo com as tradições erudita e popular publica romances, contos, ensaios, poesia, livros de arte, mitologia e folclore, além de manter um programa para publicação de novos autores e autores latino-americanos.

sexta-feira, setembro 14, 2007

DOIS MUGIDOS


Tradução de Fábio Aristimunho Vargas

Apesar do atraso, continuamos nossas publicações. Escolhemos, para esta semana, um poeta "prata da casa", conselheiro editorial d'O Casulo, organizador da FLAP e co-fundador do Vacamarela. O poeta Fábio Aristimunho Vargas, autor Medianeiro (Selo Quinze & Trinta, 2005). No entanto, aqui será exposta uma outra faceta de Fábio: o tradutor português, espanhol, catalão e galego que publuca, exporadicamente no blog Medianeiro. Mais inusitado que suas ótimas traduções para o português é o processo inverso: tradução para o espanhol de um famoso poema de Fernando Pessoa.


MAR PORTUGUÉS
Tradução de Fábio Aristimunho

Oh mar salado, ¡cuánto de tu sal
son lágrimas de Portugal!
Te cruzamos: cuántas madres lloraron,
cuántos hijos en vano oraron…
¡Cuántas novias se quedaron solteras,
oh mar, para que nuestro fueras!

¿Y valió? Vale todo que se empeña
si el alma no es pequeña.
Si uno traspasar quiere el Bojador
hay que traspasar su dolor.
Dios le dio el abismo y el riesgo al mar
– y al cielo le hizo reflejar.



*



MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso , ó mar!

Valeu a pena ? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor .
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fábio Aristimunho Vargas é advogado, poeta e tradutor. Formado em Direito pela USP. Autor do livro Medianeira (Quinze & Trinta, 2005). Foi presidente da Academia de Letras da FDUSP (1999/2000). Mantém o blogue Medianeiro: medianeiro.blogspot.com. Mora em São Paulo.


Fernando Pessoa é considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa tendo seu valor comparado ao de Camões. Por ter vivido a maior parte de sua juventude na África do Sul, a língua inglesa também possui destaque em sua vida, com Pessoa traduzindo, escrevendo, trabalhando e estudando no idioma. Teve uma vida discreta, em que atuou no jornalismo, na publicidade, no comércio e, principalmente, na literatura, onde desdobrou-se em várias outras personalidades conhecidas como heterônimos. A figura enigmática em que se tornou movimenta grande parte dos estudos sobre sua vida e obra, além do fato de ser o maior autor da heteronímia. Nasceu em Lisboa, capital de Portugal, em 13 de junho de 1888 e morreu 30 de novembro de 1935 na mesma cidade.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Coleção Caixa Preta

Primeiras palavras da caixa preta...



terça-feira, setembro 04, 2007

Depois do “poemão” por Débora Racy Soares

Prosseguindo com as publicações semanais: a contribuição, dessa vez, é de Débora Racy Soares, que elabora uma tese de doutorado sobre Cacaso. Sugerimos uma breve comparação sobre a geração do referido poeta e a atual geração de poetas. Acredito que o texto seja muito rico e pode alimentar boas reflexões sobre a poesia. Comentários em aberto (e agradecimentos a Débora).

Depois do “poemão”: a poesia hoje

Cacaso costumava dizer que todos os poetas de sua geração estavam escrevendo um “poemão”, isto é, um único poema coletivo, a mil mãos. Os sentidos desse “poemão”, se desdobrados, alcançam dimensões que transcendem a esfera estética. Nos anos de setenta, a idéia de uma escrita coletiva não passava ao largo da poética com envergadura política: escrever era resistir à paralisação institucional. Pôr em ação um “poemão” significava, a priori, contestar várias esferas de poder. Um dos alvos era o “restrito e restritivo” sistema editorial que, diante do “boom” de poetas, não tinha “vagas suficientes” para absorver a produção excedente. Essa espécie de transbordamento poético fez com que os poetas “imaginassem saídas” e “ficassem mais inventivos”. A edição independente dos livros de poesia, à margem das editoras, surgiu como resposta a um quadro de época. Atualmente a situação editorial não é muito diferente, embora, com as novas tecnologias, tenha ficado mais fácil divulgar poesia. Há, porém, quem acredite que a poesia será sempre marginal. Às perfomances poéticas de setenta, aos saraus literários e à divulgação dos poemas em jornais e revistas, acrescentam-se hoje os https pessoais e os blogs. Alguns dos “marginalizados” de setenta tiveram seus livros publicados pelas editoras, em meados de oitenta, o que contribuiu para o conhecimento de suas obras e para a criação de uma espécie de cânone marginal. Embora isso pareça um contra-senso, é preciso reconhecer que os poetas contemporâneos estabelecem um diálogo frutífero com alguns poetas de setenta que sobreviveram às intempéries iniciais e seguem escrevendo e divulgando seus poemas, agora pelas vias tradicionais.
Débora Racy Soares é doutoranda em Letras pela UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas).

terça-feira, agosto 28, 2007

3 inéditos de Claudio Daniel

Seguindo a linha editorial do mês de agosto, deveríamos expor alguns poemas de Angélica Freitas (publicado no impresso número 6). No entanto, respeitando a poeta, desistimos de reproduzir os poemas de seu livro e aguardaremos algum inédito que a agrade. Os curiosos podem, além de ler O Casulo, procurar seu Rilke Shake, editado pela coleção Ás de colete.
Por isso, esta semana, temos a honra de publicar trêpoemas de Claudio Daniel ainda inéditos, que fazem parte do novo livro, em processo de criação, Fera Bifronte. Agradecimentos especiais ao poeta que, desde as primeiras edições, mostrou-se solícito, colaborando em diversas ocasiões com o jornal, ora com ensaios, ora com seus próprios poemas.
?

Animal metafísico desliza aspereza
até abolição de vocábulos.
Uivos óticos;
patas enviesadas;
fileiras assimétricas
de vértebras,
códices de enigmas ósseos.
Em branco aniquilar
sua mandíbula,
aberta como fenda sexual
interrogante.
Flora esquelética no pelame,
rarefeita desde os tufos
da cabeça,
um mofar de paisagem
desnudante.
— Seqüência numérica tatua seu dorso
improvável, circunscrito
à descentrada geometria.
Olho-de-raio persegue desfocados
passos súbitos
num deslocamento
de vermelhos.




PONTO

áspera paisagem de linhas
retorcidas
como ferros
de uma paisagem
amorfa.
desavença de cores
no espelho retrovisor;
cicatrizes alinhadas
nos pulsos, em desenhos
de fetos inanes.
esquinas meretrizam
esqueléticos ângulos
na noite desfocada.
unhas negras, peitos brancos,
hora sem cor,
autofágica garganta absorve
o asco de tudo.



CARANGUEJO

aquática paisagem, faixas de areia e uma seqüência de morros, horizonte simulando música. quiosques vendem camarões e mariscos. meninos magros e morenos jogam bola com uma cabeça decepada. a velha senhora inglesa lê o herald tribune com lentes bifocais. o sorveteiro anuncia profecias apocalípticas. há um furacão nas ilhas fidji. esferas planas surgem no céu de okinawa, como pegadas de urso. um sargento aposentado em kansas conversa com os peixes. não há nada que seja realmente absurdo. tudo está escrito em algum lugar, nas tábuas de esmeralda, no popol vuh, no livro tibetano dos mortos. há quem diga que a espuma no oceano é uma linguagem. há uma lógica irrefutável no movimento dos astros. o destino foi escrito nas palmas de nossas mãos. tudo isso ignoro, não me diz respeito; palavras são detritos como algas, conchas ou brincos oferecidos à deusa das águas. eu só deslizo as pinças entre possibilidades. invisto minha carapaça vermelho-marrom, que você tanto ama, até o centro da dúvida, para encontrar minha fábula. eu sou a imagem deste enigma, a contradição de um crustáceo

Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, publicou, entre outros títulos, Romanceiro de Dona Virgo (Lamparina, 2004) e Figuras Metálicas (Perspectiva, 2005). Blog: Cantar a pele de lontra.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Ronald Polito

Continuamos com a publicação eletrônica dos poetas presentes na edição 6 do jornal. Hoje publicaremos alguns poemas visuais de Ronald Polito, da série intitulada Uns Tipos (2007). Esses poemas minimalistas propõem um novo olhar perante caracteres operacionais, usados diariamente por milhares de pessoas. Os olhos viciados, acostumados a ver os objetos em sua dimensão informativa (onde & equivale a partícula aditiva "e"; % equivale a porcentagem; etc) podem se assombrar com os novos significados que esses objetos adquirem sobre a nomeação do poeta. Surpreso?









Ronald Polito é mineiro e nesceu em 1961. Além de ser poeta, é também editor e tradutor. Entre seus livros estão Solo (Sette Letras, 1996), Intervalos (7Letras, 1998), De passagem (Nanquim Editorial, 2001) e Terminal (7Letras, 2006).

terça-feira, agosto 14, 2007

Marcelo Montenegro

Agora, depois do bem sucedido lançamento do Casulo nº 6 é a vez do blog receber uma carga de ânimo e se revitalizar. A idéia é usar este espaço para expor poemas, mini-contos, traduções, pequenos ensaios, apontamentos incisivos e outros textos de qualidade ainda não publicados e capazes que gerar um debate saudável sobre a literatura atual. Todas as terças teremos uma publicação nova e, claro, contamos com a participação de todos os leitores através dos comentários. Esperamos, assim, que a discussão literária seja ampla e democrática.

Para esta primeira publicação escolhemos o poeta Marcelo Montenegro que está na nova edição impressa do jornal e comparece aqui com outros poemas.

poema estatístico


Tem uma esquina prenha de um latido.
Trechos de pássaros que permanecem
nos muros que ficam. E vice-versa.
Um email anotado às pressas no canhoto do tintureiro.
A cirrose portátil. A síndrome do pânico.
O enroladinho de presunto e queijo.

Tem a Mulher mais Linda da Cidade.
Groupies de cabelo rosa. Poodles
da solidariedade. Alguém chorando lágrimas
de tubaína. Penélopes Charmosas.
Dick Vigaristas. Um cara que já sai desviando
do cinema del arte, evitando ser atingido
por alguma conversa perdida.

Tem a mulher da vídeo-locadora
que não conhece o filme que estou procurando.
Um amigo que diz que escreve só para colocar epígrafes.
Taxistas infláveis. Manicures em chamas.
Um casal que desce a rua na banguela
prolongando a gasolina daquilo tudo
que um dia fora. Eu ando apaixonado
pela mulher da vídeo-locadora.
Lendo revistas na sala de espera
do consultório dentário. Tem uma
que venta. E um que desiste.
De arranhar os vidros do aquário.

grutas


À paisagem gravitam
Nas grutas do invisível
Pequenas ou grandes coisas
Que não se explicam

E aparecem
E passam
Evaporam
E chovem no meio do mar

A gente nunca sabe a hora
E é sempre a hora exata

De se olhar

velhas variações sobre a produção contemporânea

Agora mesmo algum maluco
deve estar postando qualquer treco
genial na internet,
alguém deve estar pensando
em como melhorar aquele
texto enquanto lota o especial
de vinagrete, perseguindo
obstinadamente um acorde
voltando da padaria.

Agora mesmo alguém
pode estar pensando
que guardamos só pra gente
o lado ruim das coisas lindas –
assim, trancafiado a sete chaves
de carinho – alguém
pode estar sentindo tudo ao mesmo tempo
sozinho, assim brutalmente
sentimental, feito coubesse
toda a dignidade humana
num abraço tímido.

Agora mesmo alguém deve estar limpando
cuidadosamente o CD com a camisa,
pulando a ponta do pão pullman,
sentindo o baque da privada gelada,
perguntando quanto está o metro
daquela corda de nylon, trepando
no carro, empurrando o filho
no balanço com uma mão
e na outra equilibrando
a lata e o cigarro, agora mesmo
alguém deve estar voltando,
alguém deve estar indo,
alguém deve estar gritando feito um louco
para um outro alguém
que não deve estar ouvindo.

Agora mesmo alguém
pode estar encontrando sem querer
o que há muito já nem era procurado,
alguém no quinto sono
deve estar virando para o outro lado,
alguém, agora mesmo, no café da manhã
deve estar pensando em outras coisas
enquanto a vista displicentemente lê
os ingredientes do Toddy.

robert creeley band

Monga, a mulher-gorila:
na dúvida, rindo da Vida;
aqui, grudada no corpo,
como uma calça jeans
encharcada de chuva –
A preparação do salto
na cabeça do cervo morto.

A musa fatiada na véspera
do mágico – E o jeito encantador
com que a executiva
mexe o canudo
no copo de suco.

Na quermesse dos sentidos,
onde a noite troca de pele
com o dia – O céu esfolado,
anjos em velocípedes –
A esfirra que sobra
na lanchonete que fecha –
Onde o espanto
lustra seus rifles.

making of

Acabar com toda gentileza
E concluir minha própria temporada de caça
Parar de me arriscar
Dar o fora da minha natureza
Esganar essa ternura metida a besta
Sabotar a causa
Mutilar a festa
Desistir do que penso
Psicografar meu riso
Sancionar meu egoísmo
Panfletar este silêncio
Cultivar uma plantação de morcegos
E no meu alfabeto maluco de medos
Apagar de uma vez por todas
Todos os aposentos da delicadeza
Estuprar essa leveza
Destituir-me desta maldita mania
De sempre esquecer
Uma luz acesa

Marcelo Montenegro (São Caetano do Sul, 1971) é autor de “Orfanato Portátil” (Atrito Art Editorial, 2003). Têm poemas e outros textos publicados nos principais sites e revistas literárias do país. Ao lado dos músicos Marcelo Schevano (piano), Flavio Vajman (gaita), Marcello Amalfi e Fábio Brum (guitarras), criou o espetáculo “Tranqueiras Líricas”, apresentado, entre outros, no Sesc Pinheiros, Galeria Olido, Biblioteca Alceu Amoroso Lima, Galeria Virgílio e Casa das Rosas. Participou do projeto “Poesia na Idade Mídia”, no Itaú Cultural (Ago/2005), que reuniu 8 poetas brasileiros (Celso Borges, Frederico Barbosa, Rodrigo Garcia Lopes, Artur Gomes, Chacal, Ademir Assunção e Ricardo Aleixo) que viraram referência nesta intersecção entre literatura e música no palco. No mesmo lugar, em 2006, integrou o “A(u)tores em Cena”, com escritores contemporâneos sendo dirigidos por diretores de teatro. É roteirista e editor de vídeo e membro do grupo de teatro Cemitério de Automóveis onde opera luz e sonoplastia.

sábado, agosto 11, 2007

O Casulo, número 6

Ontem, a Biblioteca Alceu Amoroso Lima abriu suas portas para o lançamento do Casulo nº6. Durante algumas horas da noite, o anfiteatro recebeu um público disposto a ouvir poetas de diferentes estilos e inclinações e acolher a apresentação pública do coletivo de poesia Vacamarela, formado por jovens poetas (alguns dos quais, responsáveis pelo Casulo) que pretendem contribuir um pouco mais à cena literária contemporânea.

Após uma rápida apresentação de Frederico Barbosa, responsável pela organização de eventos da Biblioteca, o lançamento teve a participação especial do poeta Marcelo Montenegro lendo alguns de seus textos publicados nesta edição do jornal (em breve mais poemas do Marcelo, aqui no blog). O evento prosseguiu com a leitura intitulada sarau da Vacamarela: os atores Celso Borges e Carol Martins interpretando poemas de integrantes do coletivo Vacamarela com a intervenção musical, mais que bem-vinda, do músico Rafael Agra.

O violonista Vinix Leite contribuiu com seu pocket-show acompanhado por palmas do público. A música continuou em alto nível com Kadu Ayala que manteve os espectadores no mesmo entusiasmo. E, para encerrar com chave de ouro, um sarau aberto que contou com a presença de poetas já conhecidos do público e também de (ainda?) desconhecidos que resolveram esquecer da timidez e subir ao palco. Esperamos todos, e mais novos, nos próximos eventos!


O jornal foi distribuído de maneira satisfatória, sem esquecer que esta edição também será distribuída em escolas públicas da cidade de São Paulo e pretende estimular a leitura e produção de poesia nos jovens estudantes, através de oficinas literárias e do concurso "Saia do Casulo" que logo serão devidamente comentados.

terça-feira, agosto 07, 2007

Lançamento do Casulo nº 6 + sarau vacamarela

Contagem regressiva para o Lançamento do jornal O Casulo nº 6 + sarau vacamarela!!!

O evento, que acontece esta sexta, dia 10 de agosto, a partir das 19h30 na Biblioteca Alceu Amoroso Lima — R. Henrique Schaumann, 777 (esquina com Cardeal Arcoverde) —, será a primeira apresentação pública do grupo vacamarela — formado por jovens poetas — e contará com a participação de atores e músicos que, de alguma maneira, se aproximem da produção literária contemporânea.

Na ocasião, haverá distribuição gratuita do número 6 do jornal O Casulo que, nesta edição, traz uma entrevista com Zeca Baleiro, poemas de Angélica Freitas, Marcelo Montenegro e Ronald Polito, e imagens de Luli Penna e Francisco dos Santos.

E, sendo O Casulo um jornal que abre espaço para novos poetas, a partir das 21h15 o sarau será aberto ao público. Para se inscrever, procure um representante do grupo vacamarela na entrada do auditório da Biblioteca. As inscrições só acontecerão no dia do lançamento a partir das 19h00 e a ordem de leitura obedecerá a ordem de inscrição!

Segue abaixo a programação:

  • 19h30 - abertura com o poeta Marcelo Montenegro.
  • 20h00 - sarau vacamarela (Celso Borges e Carol Martins lêem poemas do grupo vacamarela com intervenções do músico Rafael Agra).
  • 20h30 - dois pocket-shows com os músicos Kadu Ayala, e depois, Vinix Leite.
  • 21h15 - sarau aberto ao público. Para participar, inscreva-se na entrada do auditório.

Divulguem a vontade !!!