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quarta-feira, janeiro 17, 2007

NOS DESVÃOS DA URBE

[Auto-retrato do poeta Fabio Weintraub]

Entrevista com Fabio Weintraub
por Andréa Catrópa


Em entrevista exclusiva para o blog O Casulo, o poeta e editor Fabio Weintraub, autor de Novo endereço (prêmio especial Casa de las Américas, 2003), fala sobre o desafio de figuração poética da experiência urbana atual, sobre o problema do desenraizamento, associado a políticas públicas segregadoras e higienistas, além de adiantar algo sobre o novo livro de poemas em que está trabalhando.

Como você se envolveu com os moradores da Ocupação Prestes Maia?

Cisco nos olhos da rua

Foi em dezembro de 2005 que conheci o Severino Manoel de Souza, catador de lixo, morador da Ocupação Prestes Maia (do Movimento dos Sem-Teto do Centro, MSTC) e um dos principais responsáveis pela Biblioteca Comunitária que funciona ali há pouco mais de um ano. Apresentou-me a ele a artista plástica Yili Rojas, durante um protesto contra a decisão da Prefeitura de São Paulo de cimentar o vão daquela rampa subterrânea no final da Avenida Paulista (que a liga à avenida Doutor Arnaldo). Tal iniciativa – denominada pela imprensa como rampa antimendigo – foi levada a cabo por determinação do senhor Andrea Matarazzo, subprefeito da regional da Sé, para expulsar os mendigos que lá se abrigavam, sob concordância do então prefeito José Serra. A razão alegada para tão violenta medida fora o aumento de assaltos na região, supostamente atribuído aos moradores de rua (o velho argumento de criminalização da pobreza.).
O curioso é que o tema parece ter voltado novamente à baila esta semana com as matérias publicadas na quarta-feira, dia 10, no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo, (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1001200717.htm)e,no dia seguinte, no Estadão (http://www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2007/jan/11/227.htm), ambas sobre as obras de reforma que a prefeitura está fazendo na Praça da Sé, parte das quais será inaugurada no próximo dia 25, aniversário da cidade. Os jornais falam na construção de canteiros antibanho, que impedirão o acesso dos mendigos aos espelhos d’água ali existentes, bem como na troca dos bancos, em que era possível se deitar, por apoios glúteos, nos quais só se pode encostar, mas não dormir.
Se a hostilidade contra os pobres não é nova (“Assomons les pauvres”, já dizia Baudelaire), a criação de dispositivos urbanísticos em que ela atualmente se encarna talvez mereça atenção mais detida de nossa parte. Sob as marquises, canos com orifícios que espirram água em intervalos regulares; estruturas pontiagudas ou declives calculados para impedir o sono nos desvãos; pavimentos irregulares e ásperos... são muitas, enfim, as artimanhas de que se vale uma certa arquitetura para negar abrigo ao miserável, ao estrangeiro, ao desgarrado.
No entanto, o dado novo talvez se prenda ao fato de tais dispositivos antimendigo não serem mais “acionados” apenas por comerciantes ou por moradores de condomínios de elite, mas pelos próprios poderes públicos, que já não se dão nem sequer ao trabalho de sustentar um discurso hipócrita em favor dos desafortunados (“a hipocrisia às vezes é o ponto mais próximo da virtude a que se pode chegar”, adverte-me meu companheiro). Como as políticas higienistas vão ganhando terreno entre nós, chegamos realmente ao disparate de reivindicar que as pessoas não sejam expulsas do mais inóspito dos abrigos: o olho da rua.
Claro que a idéia não é manter essas pessoas na rua – o que fere de modo incontestável seu sentido de dignidade – porém, diante de iniciativas como as referidas, cuja preocupação não é a de dar um lugar mais digno a essas pessoas, mas simplesmente “limpar a rua”, parece legítimo defender de modo intransigente a bandeira da hospitalidade. Há um poema no meu livro Novo endereço (“Noite”), que trata justamente disso, da necessidade de abrir “o olho da rua” aos “ciscos” que garantem à metrópole o justo cumprimento de sua mais profunda vocação: o convívio entre estranhos, meus semelhantes e concidadãos.

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